As Três Mortes de Lucas Andrade
SINOPSE
Por outro lado, trata-se da saga de um jovem pobre que vive em conflito com os códigos masculinos da pobreza, da rua, da fábrica. Visto através das personagens que rodeiam o anti-herói, sobretudo mulheres, o livro de Henrique Raposo é um retrato novo e revolucionário da pobreza, fixando-se na nossa segunda metade do século XX, retratando as migrações do campo para a cidade, os choques entre a cidade e a periferia - e o nascimento dos subúrbios dos anos 60 e 70.
Para isso, convoca o elemento invisível na ficção portuguesa de agora: a pobreza, o choque entre classes e, sobretudo, os conflitos dentro de cada classe - sempre refletindo sobre a violência e o mal e colocando uma pergunta recorrente: como se mantém a decência no meio do caos, da pobreza e do mal?
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Minientrevista a Henrique Raposo, finalista do Prémio WOOK Novos Autores
Henrique Raposo nasceu em Loures em 1979. Licenciado em História e mestre em Ciência Política, fez investigação académica e foi editor da revista Atlântico. Atualmente é jornalista no Expresso, depois de ter colaborado com vários jornais nacionais. A par do jornalismo, lançou-se este ano na literatura, com o seu primeiro romance, As Três Mortes de Lucas Andrade.
Recordamos agora o que aqui escreveram os @literacidades sobre ele:
«Ao longo das suas 635 páginas, conta-nos a história de vida de João Miguel, Rucinho e Lucas Andrade, que são, afinal, a mesma pessoa. O êxodo dá-se ainda em criança, quando a família abandona a sua aldeia na Serra da Estrela e se junta aos restantes parentes, que estão já num dado bairro da periferia de Lisboa, lutando por uma vida com mais condições, seduzidos pelo progresso, pelos carros, pelas modernidades. Num dado Bairro do Janeirinho, porém, o miúdo serrano vai chocar contra uma parede de violência que caracterizou a periferia da capital ao longo dos anos oitenta e noventa do século passado, num retrato duro mas realista de como a droga e o crime imperavam impunes perante a indiferença de todos. Há um leque de personagens tão bem construído que as temos por parentes nossos, pouco depois de as começarmos a ler. Mesmo quando o Rucinho cresce e se torna escritor, continuamos dentro da cabeça daquele rapaz, simultaneamente assustado e maravilhado com o mundo.»
Agora, nesta entrevista, podemos conhecer melhor Henrique Raposo, averso a “safe spaces” porque «a literatura é por inerência insegura para quem lê.»
Henrique Raposo – Foto © After Click
Como surgiu a ideia para este livro?
O tempo verbal certo é o gerúndio: não surgiu; a ideia foi aparecendo, peça a peça. E percebi que tinha a saga do Lucas Andrade nas mãos quando a ideia de retratar a pobreza portuguesa do último meio século – através de uma forma que seria sempre revolucionária na literatura portuguesa, como disse o Pedro Mexia – se cruzou com a ideia de fazer um retrato de um suicida que vive obcecado com a grande questão: como é que nos mantemos decentes no meio do mal? Se tudo à nossa volta é caos, anarquia e crueldade, por que é que temos de nos manter decentes? Se Deus não aparenta ser bondoso e omnipotente ao mesmo tempo (só pode ser uma das duas coisas), por que é que ele, Lucas Andrade, continua a ver pessoas que, no meio da pobreza mais abjeta e violenta, calçam as galochas e atravessam o pântano do mal com enorme graça e bondade? É por isso que o caminho que o leva ao suicídio é também o caminho que o conduz à fé. Duas coisas aparentemente inconciliáveis, fé e suicídio, partilham caminho, aliás, partilham o mesmo veículo. Estão lado a lado no carro e até se revezam no lugar do condutor.
Tem uma rotina de escrita?
Antes das miúdas acordarem, faço o texto jornalístico do dia para o jornal, um texto que está mais à superfície. Quando as miúdas saem para escola, mergulho nas águas mais profundas do livro que estou a escrever. Na pausa do almoço, dou almoço à mais velha, conversamos e volto aos textos jornalísticos do jornal. Após o almoço, volto a mergulhar no livro até o dia parar quando vou buscar a mais nova à escola. Tendo duas filhas, tenho de aproveitar todas as horas através de uma rotina muito clara; e escrever, parece-me, é sobretudo estar na oficina. É um ofício, como se dizia antigamente. Trabalhar, trabalhar, trabalhar até encontrar a fórmula certa.
Como lida com um bloqueio criativo?
Não há bloqueio criativo, há preguiça. Escrever é sobretudo reescrever, isso implica que é preciso escrever as primeiras versões mesmo quando não são abençoadas pela inspiração. Mas podes sempre reescrever um primeiro esboço, e essa – para mim – é a grande alegria de escrever – reescrever à mão com lápis ou caneta por cima do print.
Qual é a pior e a melhor parte de ser escritor?
Tive muita sorte. É um enorme privilégio; é o que ocorre dizer; não tenho o direito de nomear coisas más.
Há algum tema sobre o qual não goste de ler ou escrever?
Não, não sou muito de tabus ou interditos. Aliás, há uma expressão muito deste tempo – “safe spaces” – que é em si mesmo a negação da literatura. A literatura é por inerência insegura para quem lê.
Se pudesse partilhar um jantar com qualquer autor (vivo ou morto), quem escolheria?
Mantel, entre as mortas, Ferrante, entre as vivas.
Wook tem vergonha de nunca ter lido?
Se tenho vergonha de ainda não ter lido x ou y? Não. Cada um de nós tem um caminho único como leitor, é um novelo que vamos puxando, livro a livro; esse caminho, no estilo e na substância, aproxima-nos de uns clássicos, mas afasta-nos de outros. Nem devemos ter vergonha de dizer que deixámos a meio outros tantos, eu não gosto de Proust ou Joyce, por exemplo. Há outros clássicos e outros nomes novos para ler e que fazem mais sentido. Eu não acabei o Joyce, mas li três vezes o Melville, para dar um exemplo.
Qual o livro que mais o marcou até hoje?
Ontem a resposta teria sido diferente; hoje é esta: A Amiga Genial, A Estrada, Moby Dick, Wolf Hall.
Qual foi o último livro que ofereceu?
Filomeno, Ballester.
Prémio WOOK Novos Autores: celebrar a literatura emergente em língua portuguesa
Além de sermos a maior livraria portuguesa online, gostamos de dar voz e apoiar os escritores que dão vida à nossa língua. Por isso, decidimos criar o Prémio WOOK Novos Autores. Com esta iniciativa, damos um passo crucial na descoberta de talentos literários, destacando escritores que prometem marcar o futuro da literatura de língua portuguesa.
O nosso prémio distingue novos autores que tenham até duas obras de ficção literária editadas em Portugal (1.ª edição), publicadas originalmente em língua portuguesa, até 30 de setembro de 2024. De 80 livros elegíveis, foram selecionadas seis obras finalistas, que primam pela diversidade, criatividade e qualidade da produção literária em língua portuguesa.
O que falta? Para ajudar a apurar o vencedor, convidámos o escritor João Tordo, para presidir ao nosso júri, formado também por dois membros da WOOK. Mas vão ter de esperar um pouco mais para saber quem irá receber o nosso galardão. O vencedor da 1º edição do Prémio WOOK Novos Autores é anunciado na terceira semana de janeiro de 2025. Até lá, tem tempo de conhecer os finalistas e as obras a concurso – vá por nós, vale muito a pena descobrir estas vozes emergentes da literatura em português! Apresentamos agora os finalistas selecionados:
(os finalistas são apresentados por ordem alfabética da primeira letra dos seus sobrenomes)
Stênio Gardel, A Palavra que Resta
Stênio Gardel é um escritor brasileiro nascido em 1980 no Ceará, onde trabalha no Tribunal Regional Eleitoral e é especialista em Escrita Literária. Enquanto escritor, além de ter em diversas coletâneas de contos, conquistou grande reconhecimento com sua obra de estreia, A Palavra Que Resta (2021). Neste romance, Gardel explora temas como identidade, memória, sexualidade e os desafios enfrentados por um homem analfabeto que relembra uma carta nunca lida, o que marca profundamente a sua vida. Um romance sobre o poder da palavra e da linguagem, sobre repressão, violência e vergonha, mas acima de tudo sobre a coragem de lhes resistir. A narrativa sensível e poética rendeu ao autor as distinções do National Book Award para a melhor obra traduzida, de semifinalista do Prémio Jabuti e finalista do Prémio São Paulo de Literatura.
O livro começa assim:
Raimundo
«Raimundo de Freitas, traço incerto, arredio ao toque do papel. Lápis danado, domado, e ele escrevia o nome completo pela primeira vez. Setenta e um aos e essa invenção, como ele diz, de aprender a ler e escrever depois de velho. Raimundo não foi difícil. Complicado era Gaudêncio, denso de saudade, as cinco vogais e acentuado. Freitas era feito de sangue.
Excerto de A Palavra Que Resta, de Stênio Gardel, p. 13
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Marta Hugon, Souvenir
Marta Hugon (Lisboa, 1971) tem cinco discos em nome próprio e várias colaborações como cantora e compositora. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, escreve para publicidade, é professora na Escola de Jazz Luiz Vilas Boas e cocriadora do projeto a três vozes «Elas e o Jazz». Depois de se ter estreado na literatura com a publicação do conto «Conceição» na 10.ª edição da revista Granta em Língua Portuguesa, Hugon lançou, em abril deste ano, Souvernir, o seu primeiro livro. Souvenir é uma coletânea de contos habitados por personagens comuns que giram em torno da memória e da intimidade humana. Cada história é como uma peça de um quebra-cabeça emocional, unida por objetos, lugares e músicas que evocam experiências do passado, explorando temas como trauma, redenção e coragem diante das adversidades. A memória é quase palpável, transportando-nos para as vivências das personagens, numa linguagem de sensibilidade poética na forma como aborda o tempo e a nostalgia.
O livro começa assim:
Conceição
«A casa tinha uma sala grande, plantas trepando suspensas por invisíveis fios de nylon, competindo com as estantes dos livros que, em colorida desarrumação, circunscreviam o espaço. Enquanto limpava o pó, Conceição ia lendo as lombadas, saltando os títulos em francês e em inglês, que não lhe diziam nada. Os quatro anos de escola, muito trabalho no campo e a fome repartida com os oito irmãos estavam agora longe, mas ainda lhe fazia confusão que as meninas não quisessem mais e deixassem restos de comida nos pratos.»
Excerto de Souvenir, de Marta Hugon, p. 13
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Rita Canas Mendes, Teoria das Catástrofes Elementares
Rita Canas Mendes (Lisboa, 1984) é formada em Filosofia e pós-graduada em Edição, tendo trabalhado em diversas editoras. Atualmente, dedica-se à tradução literária e à escrita. Tem várias obras publicadas, do guia prático ao livro infantil, e o seu amor pelos livros está espelhado em O Que Vem a Ser Isto ou Como Publicar o Seu Livro.
Teoria das Catástrofes Elementares, o primeiro romance da autora, decorre entre Lisboa e Cascais nas décadas de 1990 e 2000, e revisita a história recente do país, passando pontualmente pela Guerra Colonial, o norte de Portugal e a Euro Disney. Com humor e ironia, a narrativa percorre episódios que testemunham as vivências das várias gerações de uma família. O seu enredo compõe uma espécie de vitral de memórias, recuperando estilhaços dispersos para construir uma narrativa que liga o passado ao que há de vir.
O livro começa assim:
«Durante muitos anos, pensei que «atropelar» quisesse dizer passar por cima, não apenas dar uma pancada, um encontrão. No meu imaginário, um atropelamento significava ser-se passado a ferro por um carro, primeiro as rodas da frente, depois as de trás. Quando a minha mãe foi atropelada, julguei que tivesse ficado esmigalhada por dentro, bolacha de água e sal. Perdeu uns dentes, partiu o nariz, o queixo, um pulso, mas esmigalhada, por sorte, só uma perna, onde ainda mora uma trave metálica que o osso, com o tempo, adotou. Já não a pode tirar, agora. Pirata de ferro, com cicatriz ao longo da canela, apitando para sempre nos aeroportos.»
Excerto de Teoria das Catástrofes Elementares, de Rita Canas Mendes, p. 13
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Henrique Raposo, As Três Mortes de Lucas Andrade
Henrique Raposo (Loures, 1979) é escritor e cronista do Expresso e da Renascença. Licenciado em História e mestre em Ciência Política, fez investigação académica, foi editor da revista Atlântico e colaborou com vários jornais nacionais. As Três Mortes de Lucas Andrade é o seu primeiro romance. Nele, acompanha a saga de um jovem que sofre com os códigos masculinos da pobreza, da rua e da fábrica. A história desenrola-se na segunda metade do século XX e retrata o êxodo rural, os choques entre a cidade e a periferia – e entre as classes –, e o surgimento dos subúrbios dos anos 60 e 80. Um retrato poderoso da pobreza, que nos faz questionar se será possível manter a decência quando o caos e o mal prevalecem.
O livro começa assim:
Abertura
«A meio do caminho, percebi que Lucas Andrade se matou enquanto se tentava salvar; o caminho que o levou ao suicídio é também o caminho que o conduziu à fé. Esta ambiguidade fascina e confunde ao mesmo tempo. Ainda hoje a tragédia de Lucas Andrade desperta debates acalorados entre diversas tribos: a tribo moralista que vê neste homem um símbolo da vilania egoísta e de vários pecados capitais; a tribo literária que vê nele uma metáfora libertadora, o herói merecedor de todas as comendas; a tribo científica que o reduz à condição de doente mental inimputável, o pobre coitado que não pode ser responsabilizado pelos seus próprios atos. Quem tem razão? Não sei.»
Excerto de As Três Mortes de Lucas Andrade , Henrique Raposo, p. 11
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João Pedro Vala, Campo Pequeno
João Pedro Vala (Lisboa, 1990) é doutorado em Teoria da Literatura e licenciado em Gestão. Trabalha como crítico literário, revisor e tradutor. Em 2022 estreou-se no romance com Grande Turismo, seguido agora por Campo Pequeno. Nesta narrativa, Heitor, Laura, Gabriel e Mafalda, procuram um sentido para as suas vidas, ajudados por um caótico conjunto de personagens que inclui: um bebé prestes a nascer, uma freira semiatropelada, um conquistador mongol, um casal sadomasoquista, uma mãe negligenciada, um ator italiano, um jogador de futebol dos campeonatos distritais, um consultor chato como tudo e um cão. Um universo singular criado por João Pedro Vala, que toma múltiplas formas e se desdobra em situações que surpreendem o leitor.
O livro começa assim:
«Durante uma semana, o Heitor mal conseguiu pregar olho. Normalmente, o ritual repetia-se: acabado o jantar, metia a loiça na máquina e dava um jeito na cozinha. Só depois, por uma mania que nunca hei-de entender, pegava numa peça de fruta e ia comê-la em frente à televisão. Já a Laura, lia a um canto do sofá e, passado um tempo, bem depois de o Heitor se ter levantado para ir deitar no lixo um pauzinho e dois ou três caroços, começava a pintar a um canto da sala, entre Novembro e Fevereiro, ou a tricotar, encostada a ele, nos meses mais quentes.»
Excerto de Campo Pequeno, de João Pedro Vala, p. 9
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Victor Vidal, Não Há Pássaros Aqui
Victor Vidal, nascido no Rio de Janeiro em 1991, é historiador de arte e doutor em Estudos Críticos das Artes. É especializado em arte japonesa, tendo trabalhado no setor educativo de museus e centros culturais. Fez a sua estreia literária com o romance Não Há Pássaros Aqui e venceu, com esta obra, o Prémio Leya 2023.
Neste livro, Vidal debruça-se sobre a relação entre uma mãe e uma filha, explorando como os traumas de infância marcam a vida adulta. Quando a mãe de Ana, a protagonista, desaparece, esta regressa à casa em que passou a sua infância e, aí, vê-se confrontada com as feridas do seu passado, marcado pela violência que a mãe, desequilibrada e alcoólica, lhe infligiu. Perante o insólito da situação, Ana recorre ao seu único amigo de infância, um rapaz frágil que a fazia cúmplice dos seus traumas, e que ela sabe ter desiludido. Cada personagem revela-se na sua complexidade desconcertante, numa reflexão madura. sobre como tendemos a reproduzir os comportamentos que vivemos na infância, por muito que os condenemos.
O livro começa assim:
«O telefone tocou insistentemente até eu me convencer a atendê-lo. Num primeiro momento, não reconheci a voz de Célia do outro lado da linha. Fazia muito tempo desde a última vez que nos tínhamos visto ou falado e por pouco não desliguei o aparelho afirmando nunca ter ouvido aquele nome. «Sou a vizinha de sua mãe», disse a mulher, esganiçada, tentando não parecer magoada. Antes que eu conseguisse assimilar essa informação, ela deu início a um falatório apressado e confuso, atropelando as próprias palavras enquanto tentava explicar o motivo do telefonema. Aparentemente, minha mãe havia desaparecido.»
Excerto de Não Há Passáros Aqui, de Victor Vidal
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Portugal escrito nas famílias
Se há coisa de que gostamos são histórias de famílias ancoradas no contexto histórico, social e cultural da realidade de um país. Então quando é o nosso, parece que a leitura ganha um duplo sabor de emoção e conhecimento.
Revolução
Ficamos com a sensação de que estamos perante um grande romance. Hugo Gonçalves traz-nos o inesperado e esse foi um dos grandes prazeres que retirámos desta leitura. Quem espera encontrar aqui uma distorção da realidade, como em Deus, Pátria, Família, uma distopia como O Coração dos Homens ou um terno legado de O Filho da Mãe, é surpreendido pelo rendilhado minucioso da história da revolução de 25 de abril de 1974 e das suas consequências numa família. A irmã revolucionária, o irmão boémio, a outra irmã, conservadora, representam bem os arquétipos sociais da época. O clima de tensão, de expectativa, que se viveu naqueles anos, associa-se ao de uma família em tumulto. Muitas vezes íamos consultar a Internet para saber se aqueles acontecimentos se tinham mesmo dado daquela maneira, se todo aquele clima de pré-guerra civil era real. Descobrir o nosso tempo recente, enquanto país, é conhecermos melhor o universo dos nossos pais e avós. Um livro família, onde não falta Deus a pairar sobre os desígnios da pátria.
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As três mortes de Lucas Andrade
Começámos o ano com este romance de Henrique Raposo, que ao longo das suas seiscentas e trinta e cinco páginas nos conta a história de vida de João Miguel, Rucinho e Lucas Andrade, que são, afinal, a mesma pessoa. O êxodo dá-se ainda em criança, quando a família abandona a sua aldeia na Serra da Estrela e se junta aos restantes parentes, que estão já num dado bairro da periferia de Lisboa, lutando por uma vida com mais condições, seduzidos pelo progresso, pelos carros, pelas modernidades. Num dado Bairro do Janeirinho, porém, o miúdo serrano vai chocar contra uma parede de violência que caracterizou a periferia da capital ao longo dos anos oitenta e noventa do século passado, num retrato duro mas realista de como a droga e o crime imperavam impunes perante a indiferença de todos. Há um leque de personagens tão bem construído que as temos por parentes nossos, pouco depois de as começarmos a ler. Mesmo quando o Rucinho cresce e se torna escritor, continuamos dentro da cabeça daquele rapaz, simultaneamente assustado e maravilhado com o mundo.
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Terrinhas
Ser português é também termos, cada um de nós, a nossa “terrinha”. A miséria dos tempos da ditadura, as sucessivas crises, a procura de melhores condições de vida, a vontade… levou-nos a procurar maioritariamente o litoral para viver. Na “terrinha” quase sempre deixámos avôs e avós, numa casa com um pequeno terreno, onde quase de certeza se plantavam batatas. Este Terrinhas, da mesma autora de Coisas de Loucas, conta-nos a história de uma mulher que recebe a indicação de que lhe foram deixados alguns terrenos na terra natal da sua família, Arrô. Mas, muito mais do que um romance em que uma personagem é confrontada com uma herança inesperada, Terrinhas é um livro sobre migrações dentro de Portugal, sobre o facto de que, ao mudarmos do interior para o litoral, não é apenas uma deslocação de corpos e objetos que fazemos. À semelhança do livro de Henrique Raposo, também aqui não há a romantização do campo. Pelo contrário, Catarina Gomes conta-nos a história de convivências agrestes, desfazendo a ideia da calma bucólica da aldeia contraposta ao bulício da cidade.
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DETALHES
Propriedade | Descrição |
---|---|
ISBN: | 9789897229442 |
Editor: | Quetzal Editores |
Data de Lançamento: | outubro de 2023 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 150 x 234 x 33 mm |
Encadernação: | Capa mole |
Páginas: | 640 |
Tipo de produto: | Livro |
Coleção: | Língua Comum |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Romance |
EAN: | 9789897229442 |
Idade Mínima Recomendada: | Não aplicável |
OPINIÃO DOS LEITORES
Uma obra-prima única que sem pruridos dá a conhecer cintura de Lisboa
Carlos Faria
Um retrato corajoso e minucioso do que era a vida dura e violenta dos jovens e família vindos da província nos subúrbios de Lisboa nos anos a seguir ao 25 de Abril. Apesar de ser a anatomia de um suicídio anunciado logo no primeiro parágrafo, não é um romance deprimente, antes pelo contrário, descreve a resistência perante as dificuldades da vida com momentos emocionantes, situações de arrebatamento e outras de derrota. É uma obra do melhor que se escreveu em Portugal no primeiro quartel século XXI que no futuro deverá ter o seu reconhecimento merecido e ser alvo de estudos académicos pela sua qualidade narrativa, e forma original de análise social de um Portugal silenciado. Soberbo romance!
realidade dura e crua
Ana
Não costumo deixar reviews mas este livro de facto merece. Tendo tambem mudado do campo para a cidade no início dos anos 90, ainda presenciei muitas das situaçoes descritas. O livro descreve a sociedade e, entre outras coisas, a falta de escolha das mulheres desse tempo, que embora a mim já não me tenho afectado, ainda está presente na geração da minha mãe e de certa forma demasiado próxima.No sentido que as mulheres existiam para servir os outros e não tinham direito a opinião, vontade própria e até ao próprio corpo. O livro descreve a realidade de então com uma linguagem chocante e completamente adequada, usando as palavras do calão que muitas vezes seriam ditas apenas em contexto familiar. E no meio de tanto mal como também há bem, decencia e esperança. O livro desperta muitas emoções e chorei imenso. Está extremamente bem escrito. Recomendo!
Grande Livro!!
Mónica G.
Identifiquei-me bastante com esta história , o tempo em que cresci, a diferença entre classes, o mistério de se escolher ser decente em meios que nada o favoreciam. Gostei imenso, muito bem escrito !!! A sensação de acabar um livro muito bom, que me vai acompanhar durante muito tempo !
Um hino
Joana
Este livro é daqueles fenómenos que raras vezes avistamos durante a nossa vida, o olho de um furacão sensorial com uma narrativa poderosa e um hino à língua portuguesa e à nossa cultura. É tão difícil explicá-lo por poucas palavras, mas gostava que todos o lessem porque é talvez dos melhores livros que já li em toda a vida. Merece 6 estrelas.
Soberbo
Susana Jorge
Comecei lentamente, li outros pelo meio, porque estava a gostar tanto que queria prolongar a leitura o mais possível, mas depois houve uma altura em que fiquei de tal maneira embrenhada nele que queria mais e mais... Começo por dizer que este foi o romance de estreia de Henrique Raposo e que estreia esta! Ao longo do livro, a crónica de um suicida, são abordados diversos temas, assim como se fala de livros, de acontecimentos marcantes no país como as cheias de 1967 e o caso do estripador de Lisboa. Começamos com o êxodo das aldeias para as grandes cidades (neste caso Lisboa), a integração destas pessoas em bairros problemáticos, marcados pela prostituição, delinquência e pela toxicodependência, a adaptação dos seus filhos nos meios escolares, sofrendo bullying e constante insegurança, para regressarmos a temas como o abuso sexual, assédio em contexto laboral, abortos ilegais, adoção ilegal, .... João Miguel vê-se arrastado pelos pais para Lisboa, deixando a sua vida na serra. Passa a viver no bairro do Janeirinho, um bairro marcado pela insegurança e criminalidade. É neste contexto que João Miguel prossegue com a sua vida, dando-nos a conhecer a sua família, amigos e moradores do bairro, de uma forma eximia. Um livro tão bem escrito que faz de nós um expectador em tudo o que acontece nesta história. Uma história coerente, com personagens ricas e bem construídas, com temas que todos nós conhecemos melhor ou pior. Um livro daqueles que vale a pena! Parabéns Henrique! Se ainda não leram, façam um favor a vocês próprios e comecem já!!!
Avassalador
Ler, um prazer adquirido
Não é um pequeno livro e a escrita fluída, honesta e limpa, bem como a história realista e tocante (sem nada de lamechas) é um murro no estômago em muitos excertos. "A miséria sem filtros soa a fábula negra aos ouvidos de quem nunca teve fome, frio e febre. " O êxodo do interior como fuga à tensão e crítica de quem na pobreza tinha o arrojo de sonhar ser diferente como a mãe de João Miguel. Ela não lê mas sabe que o filho tem que ler. Enquanto ela renasce nas periferias de Lisboa, o filho mortifica naquele mundo hostil. *Quem diz que o dinheiro não traz felicidade nunca foi miserável. " Um livro que prende com muitas das memórias coletivas ou individuais que temos. Crua análise socio-económica num primeiro romance bem conseguido. Violência, desamparo, adaptação e suicídio. Sem dúvida, que o retrato de época e de um certo estrato social não é apenas ficcional. "A mulher pobre era vista como um objeto, uma escrava sexual ás ordens dos senhores, uma barriga de aluguer às ordens das senhoras."
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