Minientrevista a Henrique Raposo, finalista do Prémio WOOK Novos Autores

9 de dezembro de 2024
Henrique Raposo nasceu em Loures em 1979. Licenciado em História e mestre em Ciência Política, fez investigação académica e foi editor da revista Atlântico. Atualmente é jornalista no Expresso, depois de ter colaborado com vários jornais nacionais. A par do jornalismo, lançou-se este ano na literatura, com o seu primeiro romance, As Três Mortes de Lucas Andrade.
Recordamos agora o que aqui escreveram os @literacidades sobre ele:
«Ao longo das suas 635 páginas, conta-nos a história de vida de João Miguel, Rucinho e Lucas Andrade, que são, afinal, a mesma pessoa. O êxodo dá-se ainda em criança, quando a família abandona a sua aldeia na Serra da Estrela e se junta aos restantes parentes, que estão já num dado bairro da periferia de Lisboa, lutando por uma vida com mais condições, seduzidos pelo progresso, pelos carros, pelas modernidades. Num dado Bairro do Janeirinho, porém, o miúdo serrano vai chocar contra uma parede de violência que caracterizou a periferia da capital ao longo dos anos oitenta e noventa do século passado, num retrato duro mas realista de como a droga e o crime imperavam impunes perante a indiferença de todos. Há um leque de personagens tão bem construído que as temos por parentes nossos, pouco depois de as começarmos a ler. Mesmo quando o Rucinho cresce e se torna escritor, continuamos dentro da cabeça daquele rapaz, simultaneamente assustado e maravilhado com o mundo.»
Agora, nesta entrevista, podemos conhecer melhor Henrique Raposo, averso a “safe spaces” porque «a literatura é por inerência insegura para quem lê.»
Henrique Raposo
Henrique Raposo – Foto © After Click
Como surgiu a ideia para este livro?
O tempo verbal certo é o gerúndio: não surgiu; a ideia foi aparecendo, peça a peça. E percebi que tinha a saga do Lucas Andrade nas mãos quando a ideia de retratar a pobreza portuguesa do último meio século – através de uma forma que seria sempre revolucionária na literatura portuguesa, como disse o Pedro Mexia – se cruzou com a ideia de fazer um retrato de um suicida que vive obcecado com a grande questão: como é que nos mantemos decentes no meio do mal? Se tudo à nossa volta é caos, anarquia e crueldade, por que é que temos de nos manter decentes? Se Deus não aparenta ser bondoso e omnipotente ao mesmo tempo (só pode ser uma das duas coisas), por que é que ele, Lucas Andrade, continua a ver pessoas que, no meio da pobreza mais abjeta e violenta, calçam as galochas e atravessam o pântano do mal com enorme graça e bondade? É por isso que o caminho que o leva ao suicídio é também o caminho que o conduz à fé. Duas coisas aparentemente inconciliáveis, fé e suicídio, partilham caminho, aliás, partilham o mesmo veículo. Estão lado a lado no carro e até se revezam no lugar do condutor.
Tem uma rotina de escrita?
Antes das miúdas acordarem, faço o texto jornalístico do dia para o jornal, um texto que está mais à superfície. Quando as miúdas saem para escola, mergulho nas águas mais profundas do livro que estou a escrever. Na pausa do almoço, dou almoço à mais velha, conversamos e volto aos textos jornalísticos do jornal. Após o almoço, volto a mergulhar no livro até o dia parar quando vou buscar a mais nova à escola. Tendo duas filhas, tenho de aproveitar todas as horas através de uma rotina muito clara; e escrever, parece-me, é sobretudo estar na oficina. É um ofício, como se dizia antigamente. Trabalhar, trabalhar, trabalhar até encontrar a fórmula certa.

Como lida com um bloqueio criativo?
Não há bloqueio criativo, há preguiça. Escrever é sobretudo reescrever, isso implica que é preciso escrever as primeiras versões mesmo quando não são abençoadas pela inspiração. Mas podes sempre reescrever um primeiro esboço, e essa – para mim – é a grande alegria de escrever – reescrever à mão com lápis ou caneta por cima do print.
Qual é a pior e a melhor parte de ser escritor?
Tive muita sorte. É um enorme privilégio; é o que ocorre dizer; não tenho o direito de nomear coisas más.

Há algum tema sobre o qual não goste de ler ou escrever?
Não, não sou muito de tabus ou interditos. Aliás, há uma expressão muito deste tempo – “safe spaces” – que é em si mesmo a negação da literatura. A literatura é por inerência insegura para quem lê.

Se pudesse partilhar um jantar com qualquer autor (vivo ou morto), quem escolheria?
Mantel, entre as mortas, Ferrante, entre as vivas.

Wook tem vergonha de nunca ter lido?
Se tenho vergonha de ainda não ter lido x ou y? Não. Cada um de nós tem um caminho único como leitor, é um novelo que vamos puxando, livro a livro; esse caminho, no estilo e na substância, aproxima-nos de uns clássicos, mas afasta-nos de outros. Nem devemos ter vergonha de dizer que deixámos a meio outros tantos, eu não gosto de Proust ou Joyce, por exemplo. Há outros clássicos e outros nomes novos para ler e que fazem mais sentido. Eu não acabei o Joyce, mas li três vezes o Melville, para dar um exemplo.

Qual o livro que mais o marcou até hoje?
Ontem a resposta teria sido diferente; hoje é esta: A Amiga Genial, A Estrada, Moby Dick, Wolf Hall.

Qual foi o último livro que ofereceu?
Filomeno, Ballester.

Livros relacionados

Wook está a dar

Subscreva!