Memória de Rapariga

"É a ausência de sentido do que vivemos, no momento em que o estamos a viver, que multiplica as possibilidades de escrita." Esta mulher descarna-se a cada livro que nos oferece, vai ao osso de tudo sem contenção, sem pudores, numa reivindicação feroz do direito de escrever sobre o que viveu. Neste “Memória de Rapariga” é encantatório e magistral o seu trabalho sobre a memória: como, passadas cinco décadas, voltar ao Verão dos seus 18 anos e escrever sobre a sua emancipação sexual sem contaminar essas recordações (de descoberta, expectativa, euforia, desilusão, humilhação, superação) com a experiência de vida e as efabulações a que a própria memória é tão atreita? As reflexões sobre esse fenómeno e sobre a escrita — para narrar-se, organizar-se, entender-se, perdoar-se, purgar-se — são brilhantes. Senhores, como Annie Ernaux mereceu este Nobel!!

À semelhança dos outros livros da autora, em "Memória de Rapariga" Annie Ernaux relata-nos um episódio evidentemente marcante da sua vida,a sua primeira vivência sexual,refletindo nas repercussões mais imediatas do mesmo, assim como na forma como esse evento ainda a afeta tantos anos depois. A honestidade despudorada de Ernaux não deixa de me arrebatar. A forma como se expõe, como reflete sobre si, como não teme colocar em palavras momentos tão delicados, momentos que, por norma, esforçamo-nos por recalcar por nos remeterem a uma certa "vergonha" que causa desconforto, é de uma brutalidade desconcertante que eu... ADORO! Escasseiam-me os adjetivos para Annie Ernaux. Que bom que ganhou o Nobel! De outra forma seria tão difícil ver traduzidas tantas das suas histórias (como se percebe com a quantidade de livros editados em poucos meses). Venham mais, que eu quero ler tudo