O Medo
de Al Berto
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encosta-te à parede
deixa o fluxo da dor circular
por dentro das imagens febris — agarra o feixe
de cordas de ar — vai
pelo rastro das etéreas aves — chama-as
ao jardim imaginado e dá-lhes a beber
as visões de cinza quente
chama a noite e lança dentro dela
a águia dos mares — a flor escura do sangue
transforma-a em navio rompendo
a bruma deste inverno sem memória
deixa o corpo viajar no desalento
essa fonte do inesgotável canto — melancolia
que os remédios não curam
encosta-te à parede
escuta a inesperada mudez do talento
«regressa do túmulo dos mares do sul
enterra os dedos na penumbra que separa o dia
da noite das cidades recorda o restolhar das serpentes
a seiva lívida do loureiro estremecendo ao sentir
o rosto da criança que foste contra o tronco
na tua memória já não existem paisagens de ossos
nem pássaros nem punhais de luz dentro da insónia
a criança que em ti morreu crescendo
usou sapatos com atacadores e gravata
pela primeira vez foi ao cinema sozinha
com o olhar turvo de melancolia anda por aí
à procura de quem a queira»
Poema da semana
notas para o diário
deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.
mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.
pois bem, mário – o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.
sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida – e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.
Al Berto
Al Berto e «as coisas simples»
hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na aldeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
e o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje
Al Berto, O Medo
Al Berto: dois poemas para celebrar a sua vida
Se fosse vivo, Al Berto faria hoje 75 anos. O poeta e editor português, nascido a 11 de janeiro de 1948, encontrou na exaltação do próprio sofrimento a sua forma de expressão literária, ao longo de mais de 20 anos de atividade literária.
A Assírio e Alvim celebra a obra de Al Berto reeditando o último livro do autor, Horto de Incêndio, agora numa edição com sobrecapa. Nas suas páginas, o fogo assume o papel de elo entre os mundos terrestre, intermediário e celeste, de destruição e regeneração, ligado aos ritos de passagem.
RECADO
ouve-me
que o dia seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer — vai por esse campo
de crateras extintas — vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo — deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração — ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna — o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira — não esqueças o ouro
o marfim — os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
HORTO
homens cegos procuram a visão do amor
onde os dias ergueram esta parede
intransponível
caminham vergados no zumbido dos ventos
com os braços erguidos — cantam
a linha do horizonte é uma lâmina
corta os cabelos dos meteoros — corta
as faces dos homens que espreitam para o palco
nocturno das invisíveis cidades
escorre uma linfa prateada para o coração dos cegos
e o sono atormenta-os com os seus sonhos vazios
adormecem sempre
antes que a cinza dos olhos arda
e se disperse
Al Berto, Horto de Incêndio
«Corpo», pela pena de Al Berto
CORPO
Corpo corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa
abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado
mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas
levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
Al Berto, O Medo
Propriedade | Descrição |
---|---|
ISBN: | 978-972-37-1404-3 |
Editor: | Assírio & Alvim |
Data de Lançamento: | abril de 2017 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 175 x 247 x 40 mm |
Encadernação: | Capa dura |
Páginas: | 704 |
Tipo de produto: | Livro |
Coleção: | Obras de Al Berto |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Poesia |
EAN: | 978972371404312 |
Idade Mínima Recomendada: | Não aplicável |
Muito bom
Catarina Neto
A poesia de Al Berto tem uma voz singular, irreverente mas de uma beleza crua. Este livro é um colosso! Recomendo aos mais progressistas
Uma voz poética avassaladoramente sensível
ABP
“O Medo” é a mais completa montra desta teia delicada de poemas. Neste lugar, o sensível é um verbo de uma escrita sem tréguas que se consome na sua absoluta elegância.
A beleza feita agressividade das palavras.
José Lopes
O privilégio de poder "devorar", numa só obra, o génio da poesia de Al Berto. Livro de leitura imprescindível, para qualquer amante de poesia, é uma fonte dos sentidos e um olhar sobre o que de melhor se escreveu, no género, em portugês. Imperdível!
"O" Livro
João Paulo Coelho
Em termos de poesia nacional contemporânea, este é, para mim, "O" livro. Al Berto era um génio com as palavras, e não conseguia viver sem elas. Cada dia que passava sem escrever era um lugar incompleto. Um poeta deve, parece-me, achar um meio-termo entre escrever e viver. Al Berto, no entanto, vivia a escrita, vivia dentro das palavras, e morreria se lhas tirassem. Deixou-nos, assim, esta obra poética extraordinária, e que guardo com estima.