O Elevador, de Filipa Fonseca Silva, saltou para o ecrã – veja o que a escritora nos conta… e o filme!

Por Vera Dantas
Filipa Fonseca Silva, Foto © Enric Vives-Rubio
Há uma série de anos assisti, maravilhada, a Sexo, Drogas e Rock & Roll – um alucinante monólogo teatral interpretado por Diogo Infante – e fiquei surpreendida com a capacidade de um só ator conseguir dar vida a uma sucessão de personagens, fazendo vibrar uma sala cheia. Agora, ao assistir a O Elevador, adaptação cinematográfica do livro de Filipa Fonseca Silva, tive a mesma sensação: dois talentosos atores, no cenário minimalista de um exíguo elevador, transmitem-nos uma vida em catadupa com o seu diálogo, olhares e gestos intensos, captados pela arte cinéfila da realizadora Inês Barros – que protagoniza a curta, ao lado de Carlos Malvarez.
O Elevador é um romance contemporâneo que se desenrola em tempo real, ao longo de uma única noite. A história gira em torno de Sara e Alex, um casal que, após um momento de tensão, fica preso no elevador de um prédio durante várias horas. A situação força-os a confrontarem o estado da sua relação, dos conflitos às frustrações e aos sentimentos que estavam reprimidos. É um romance de ritmo rápido e emocionalmente intenso, que nos faz refletir sobre o que acontece quando se perde a conexão emocional e as expectativas de vida a dois começam a desmoronar.
É o primeiro livro de Filipa Fonseca Silva a ser adaptado ao cinema e, depois dele, a autora já lançou Admirável Mundo Verde, um romance distópico em que a emergência climática surge ligada à polarização de uma sociedade que perdeu o rumo.
Nesta entrevista, a escritora conta-nos que a intenção principal do livro O Elevador foi «chamar a atenção para a importância de não deixar coisas por dizer, de sermos honestos connosco e com quem está ao nosso lado», porque «quem vier juntar-se à nossa viagem, deve acrescentar algo ao que já somos, e não colmatar o que quer que seja.» Eis Filipa Fonseca Silva, que representa «a vida como ela é»: um constante malabarismo entre os nossos próprios erros e o que nos move.

A parte criativa da publicidade foi um bom trampolim para se tornar escritora?
Na verdade, comecei a escrever em criança e, antes de ser publicitária, já tinha escrito inúmeros contos, crónicas e até livros infantis. Sabia que um dia escreveria um romance. Talvez a publicidade tenha ajudado a manter em forma o músculo da criatividade, uma vez que os anúncios acabam por ser micro-histórias.
A começar pelo seu primeiro livro Os Trinta – Nada é Como Sonhámos, e entre humor, contos e ensaios, podemos dizer que gosta sobretudo de escrever sobre situações que observa ou que vive pessoalmente?
Sem dúvida. O quotidiano, as pessoas comuns com que nos cruzamos todos os dias, são a minha maior inspiração. Não me interessa escrever sobre grandes heróis e grandes feitos, porque a beleza da vida está nas coisas mais simples. E, claro, aproveito vivências minhas ou de pessoas que conheço e com quem me cruzei. Quando me contam uma história inusitada digo sempre «cuidado, que isso ainda acaba num livro».
 
«A figura que mais representa a vida não será tanto o equilibrista, mas sim o malabarista.»
imagem
Qual foi o livro que mais prazer lhe deu escrever, e porquê?
Penso que foi o E Se Eu Morrer Amanhã? por ter uma das personagens mais divertidas de todo o meu imaginário, também ela baseada numa pessoa real. Adorei todo o processo de investigar sobre a sexualidade depois dos 70 e de escrever num registo mais humorístico. Foi mesmo um prazer criar uma obra que derruba alguns tabus, e que tem como protagonista uma mulher de 80 anos que não está nem demente, nem sozinha, nem debilitada - coisa rara na Literatura.

Que livros ou escritores mais a marcaram ao longo da sua vida?
Essa é a pergunta mais difícil. Acho que foi a Alice Vieira quem me fez querer ser escritora, logo ali pelos menus 9 anos. Mas há inúmeros autores com os quais cresci e que me marcaram de alguma, nos mais diversos géneros: Isabel Allende, Margaret Atwood, Eça de Queiroz, José Saramago, Lewis Carroll
O que a inspirou a escrever O Elevador? A forma como a história se desenrola, num espaço fechado, em que o tempo se prolonga, parece ter reminiscências dos tempos da pandemia de COVID19…
Na verdade, a ideia surgiu em 2015, numa altura em que assisti a vários divórcios e separações de amigos, e que comecei a questionar-me sobre a importância da comunicação nas relações. Pensei no que seria necessário acontecer para que um casal que já não fala, falasse, e daí surgiu a imagem de um casal fechado noite inteira num elevador. Abandonei esta ideia para escrever o “Amanhece na Cidade”, e regressei a ela em 2018. A única relação com o COVID19 é que, por causa dele, o livro não pôde ser publicado, acabando por só ver a luz do dia em 2022. Mas acredito que durante a pandemia vários casais se tenham sentido assim: encurralados e obrigados a enfrentar aquilo que a azáfama dos dias por vezes esconde.
A narrativa de O Elevador desenrola-se entre o tempo real, hora a hora, e as memórias do passado. É uma forma de contextualizar o leitor e dar corpo ao que os protagonistas sentem e exprimem?
Sim. Para mim não faria sentido ter apenas a conversa dentro do elevador. Era necessário mostrar quem são estas duas pessoas tão diferentes uma da outra, o que as uniu, que histórias viveram juntos, como chegaram até àquele ponto de ruptura. Por outro lado, prefiro oferecer ao leitor uma leitura dinâmica, não linear. É uma característica de quase todos os meus livros.

O Elevador, filme de Fábio Rebelo e Inês Barros, baseado no livro homónimo de Filipa Fonseca Silva.
Ao longo das horas, Sara e Alex vão mergulhando no passado – Alex e a sua infância, a sua mãe egocêntrica e distante, a adolescência contornada de Sara e os seus pais excessivamente protetores…. Sentem que as fragilidades que os uniram, podem afinal ser agora pontos de rutura. A vida é uma constante procura de equilíbrio?
Sem dúvida. Ninguém nos dá um manual de instruções à nascença. Crescemos a ouvir umas coisas em casa, depois outras na escola, entre amigos, mas temos de ser nós a descobrir o nosso próprio caminho, a cometer os nossos próprios erros, a procurar o que nos move e para onde queremos ir. E isso, muitas vezes, entra em choque com os planos e desejos de quem está ao nosso lado. Penso que a figura que mais representa a vida não será tanto o equilibrista, mas sim o malabarista.

«Por vezes, apaixonamo-nos por uma pessoa pelo que ela é, e noutras pela maneira como nos faz sentir», escreve a certa altura num capítulo sobre Alex. No caso dele, esta ânsia de sentir resulta da ausência de afeto com que cresceu?
Provavelmente. É muito comum procurarmos nos outros as coisas que nos faltam. O que, a meu ver, é um erro, porque ninguém deve ser responsável pela felicidade de outra pessoa. Temos de, primeiro, aprender a estar bem connosco próprios. Quem vier juntar-se à nossa viagem, deve acrescentar algo ao que já somos, e não colmatar o que quer que seja.
 
«A intenção principal do livro foi chamar a atenção para a importância de comunicar.»
imagem
Das 20:30 às 02:36 – foram precisas 5 horas, a sós e no mesmo espaço, para que este casal realmente conversasse. Na verdade, muito dificilmente estamos tanto tempo a falar com alguém. Esta história é também um alerta para importância de conversarmos uns com os outros, por muito que custe? (numa altura em que passamos cada vez mais tempo sem olharmos para os outros…)
Sim, foi essa a intenção principal do livro: chamar a atenção para a importância de comunicar, de não deixar coisas por dizer, de sermos honestos connosco e com quem está ao nosso lado, mesmo que isso esbarre nas expectativas que criámos ou que foram criadas à nossa volta.

O livro suscita também uma reflexão sobre as dores de crescimento – primeiro, da infância e, depois, do início da idade adulta, com as suas novas relações e mudanças. Os leitores encontrarão pontos comuns com as suas vidas. Têm-lhe dado feedback nesse sentido?
Muitos pontos comuns. Todos nós temos um bocadinho ou do Alex ou da Sara, ou até mesmo dos dois. Desde que o livro saiu tenho tido inúmeros leitores a dizerem que se reviram muito nestas personagens, neste tipo de diálogo por vezes cruel, por vezes infantil. Aqui não há conversas filosóficas, nem diálogos grandiosos. Quis representar a vida como ela é.
Participou no processo de adaptação de O Elevador ao cinema? Quais foram os maiores desafios nessa transição?
Quando a Inês Barros me pediu para adaptar o livro, foi muito clara na sua intenção: centrar a acção apenas no diálogo dentro do elevador, mantendo-o quase como estava no original. Por isso, confiei muito nela e no Fábio Rebelo, coautor do filme. O maior desafio foi a nível técnico, para manter interessante um filme todo passado no mesmo local. Acho que o desafio foi largamente superado e estão todos de parabéns. Depois da estreia em cinema, o filme está agora disponível gratuitamente no Youtube, por isso, os leitores poderão comprová-lo.

O que sentiu ao ver a sua história ganhar vida no ecrã? Revê-se na interpretação que o filme faz do livro?
Foi muito emocionante. Pude assistir ao último dia de filmagens e foi indescritível ver as minhas personagens, ali à minha frente, de carne e osso, a dizer as palavras que eu escrevi. No dia da primeira visualização, não consegui conter as lágrimas. Abracei-me à Inês e agradeci-lhe muito por ter feito isto tão bem. Não podia estar mais feliz com o resultado.

Já está a trabalhar num novo livro? Pode dar-nos uma antevisão sobre o que podemos esperar?
Sim. Ainda no primeiro semestre de 2025, vou lançar um livro infantil. Estou muito entusiasmada, porque tenho alguns livros infantis na gaveta há vários anos, mas até agora não se tinha proporcionado a publicação. Vou começar agora na fase de trabalhar com a ilustradora. Também, já tenho uma ideia a fermentar e personagens a ganhar forma para um novo romance. Só posso adiantar que não será uma distopia como o último livro, Admirável Mundo Verde, mas sim um regresso à ficção contemporânea.

Livros relacionados

Wook está a dar

Subscreva!