Vernon Subutex 1

Depois de ter lido Teoria King Kong, não tinha como não querer conhecer mais da obra de Virginie Despentes. Mais uma vez, a escrita é acutilante, incisiva, desconfortável, mordaz. Nada poética, serena ou delicada. As personagens, que são muitas e cujos caminhos se vão em algum ponto tocando, são egocêntricas, cínicas, falsas, interesseiras, violentas, arrogantes e narcisistas. Aqui não há heróis, e quase não há lugar à empatia ou à confiança no outro, porque mesmo a amizade é já um dialeto por poucos conhecido. O amor, enquanto verdadeiro afeto, não parece fazer parte deste submundo parisiense que se divide entre a música, o sexo, as drogas e o álcool. Respira-se uma decadência moral e social. A palavra de ordem é a da sobrevivência, do cada um por si e do salve-se quem puder, todos julgam mas ninguém olha para dentro de si. É o racismo, a pobreza e a extrema direita a ganharem terreno. A par de tudo isto, Vernon Subutex vai-se aproximando do fim da linha. É também o fim de uma era. Por várias vezes este livro foi demais até para mim, que tenho bom estômago literário, mas ao mesmo tempo não consegui parar de ler. É vibrante, inebriante, quase hipnotizante. Um verdadeiro "bad-ass" sem meio-termo, que ou adoramos ou nos causa repulsa. Eu adorei apesar de me ter incomodado, e posso dizer que cada vez gosto mais de Despentes.