Senhora Vingança

de Fernando Ribeiro

editor: Edições Gailivro, maio de 2011
E eis que exercemos as nossas vinganças.
Senhora Vingança é fruto da imaginação de Fernando Ribeiro, vocalista e letrista da banda de Heavy Metal Portuguesa, Moonspell. Tendo já feito outras incursões pela literatura, esta é a primeira vez que escreve um livro de contos.
Em cenários onde a vingança é a rainha, de Paris a Lisboa, entre Vampiros e Políticos, políticos vampiros e vampiros políticos, Fernando Ribeiro exerce um implacável acerto de contas com as mais diversas personagens em dois contos onde a ficção se aproxima perigosamente da realidade.

Mitos urbanos são pequenas histórias de carácter sensacionalista, amplamente divulgadas de forma oral, que constituem um tipo de folclore moderno. São frequentemente narradas como sendo factos acontecidos a um "amigo de um amigo" ou de conhecimento público. Muitas delas já são bastante antigas, tendo sofrido apenas pequenas alterações ao longo dos tempos.
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Entrevista a Fernando Ribeiro, escritor e vocalista dos Moonspell

Fernando Ribeiro é vocalista e letrista da banda de heavy metal portuguesa Moonspell, que celebra este ano o seu 30º aniversário. Criado no bairro da Brandoa, escreveu sobre a sua experiência de vida, cruzando realismo e fantasia, no livro Bairro Sem Saída.

Recuperamos agora a entrevista que deu ao wookacontece em 2021, para lhe revelar como foi o processo de escrita deste romance. Trata-se de uma narrativa intensa que, não sendo autobiográfica, se cruza com a vida e as paixões do autor, e traça um retrato íntimo de um Portugal mal conhecido por muitos.

Espreite a conversa que tivemos com o autor!



  Fernando Ribeiro O Fernando já tinha escrito um livro de contos e vários livros de poemas, e agora finalmente temos um romance. De onde veio este romance em termos de inspiração? Teve alguma coisa a ver com o facto de ter estado confinado sem poder dar concertos?
Eu acho que tudo o que fizemos nestes últimos dois anos, especialmente em 2020, não pode ser afastado do facto de termos todos vivido um período duro e difícil. Ter tido muito menos concertos deu-me um pouco de tempo para explorar a minha vontade de escrever um livro que envolvesse o meu bairro da Brandoa, o contexto real que inspirou o cenário ficcional deste Bairro Sem Saída. Mas foi muito interessante o processo: eu ia escrevendo na sala, com a minha mulher Sónia e o meu filho Fausto à minha volta, a pedirem-me coisas; mas isso permitiu-me finalmente escrever este romance.

É um romance muito curioso por partir da sua experiência de ter nascido e crescido no bairro da Brandoa que é quase uma personagem e porque o narrador não se chama Fernando, mas Rogério Paulo. Mas, depois, há o avô deste, chamado Fernando, e um primo, que morre pouco antes do protagonista nascer, também chamado Fernando. Porquê usar o seu nome não no narrador, mas em personagens secundárias, que estão à volta do Rogério Paulo?
Matei logo os Fernandos todos, para começar. [RISOS] Eu confesso que não tive grandes preocupações em escrever o romance, ou grandes dilemas que provavelmente escritores que fazem só isto terão. Confundi muitas histórias e muitas personagens – algumas delas são inspiradas em personagens reais da Brandoa, outras são uma colagem de várias personagens. Mas não quis entrar no registo autobiográfico. Possivelmente há experiências sexuais, que é o que o move mais nesta história, e depois um certo sentido de defesa do bairro pobre contra o bairro rico. Rogério Paulo era para ser o nome do meu irmão e achei que era o nome perfeito para dar ao protagonista. Achei ainda mais engraçado ele ter antepassados e familiares chamados efetivamente Fernando, mas que praticamente não participam na história, que são mais memórias do que propriamente intervenientes. É tudo ficção, porque há muitas confusões cronológicas, de personagens e de ações que eu não quis resolver. Sendo um romance de ficção, não parecia bem fazer o fact checking.



  O Vício dos livros é o mais recente livro do autor. Há uma personagem do romance que gosta de música, e de heavy metal: o Baradas. Quando o Rogério Paulo vai àquela festa na parte rica do bairro, em casa da Cassandra, o Baradas é o DJ e passa heavy metal que, naquele evento, está associado a rituais pagãos satânicos. Isto parece que é o Fernando a brincar com ideias feitas que algumas pessoas têm acerca do heavy metal. Quis brincar com a sua relação com a música? Era assim que o metal era visto na Brandoa, quando era jovem?
Completamente. A minha vivência enquanto músico e ouvinte de heavy metal nunca foi assim tão séria e há muito humor nos ensaios, nos concertos. O Baradas é uma pessoa que existe mesmo, ouvia heavy metal e fazia tudo aquilo que está no livro; trabalhava para alimentar o seu amor pela música, o que até era um bocado comovente naquele bairro, porque poderia passar fome, mas não passaria sem as últimas novidades do heavy metal. Nós (os miúdos que viriam a formar os Moonspell) conhecemos muitas bandas e muitas influências a partir desta paixão assolapada que o Baradas tinha pela música. Quis introduzi-lo na parte mais “final” da trama do romance porque teve um grande papel em termos de definição futura do que eu viria a fazer e, de alguma forma, ser.
Houve nos EUA, entre o final dos anos 80 e o princípio dos anos 90, o movimento satanic panic, em que políticos censuravam tudo o que fosse heavy metal e levavam as bandas a tribunal para explicarem letras completamente fantasiosas. Imagine os autores dos livros irem a tribunal explicar as suas ideias– Somerset Maugham ir explicar o Oliver Haddo de O Mágico ou até Dan Brown ir explicar Illuminati. Eu quis brincar um bocado com isso porque o livro, de vez em quando, tal como o heavy metal, começa a ficar pesado e é bom haver essa espécie de comic relief. Provavelmente é um sentido de humor que não será para toda a gente, mas eu acho que isso é o que define o sentido de humor.

O romance tem duas componentes: uma que parece muito realista, acerca do que é ser pobre e v crescer no bairro; e outra com elementos fantástico-humorísticos tais como: o monstro de duas cabeças Marco António Nuno; aquela personagem que até é exorcizada, o Rafael; o Mário, que no final fica reduzido a uma cabeça; o exército que se forma, entretanto, na fábrica de ossos; a luta final entre pobres e ricos. Esta componente fantástica tem a ver com o facto de o caminho para sair do bairro, nem que seja enquanto se vive lá, ser a abstração da realidade, a imaginação?
Eu acho que o livro imitou o bairro. O que eu me lembro de ter pensado é que a Brandoa antes de existir, era uma quinta. Depois, quando há o êxodo rural, há várias sensibilidades nacionais, e não só, que se estabelecem ali na Brandoa, trazendo consigo o seu folclore, a sua mitologia, os seus medos e as suas lendas. Foi uma espécie de ultrarrealismo das pessoas, que foram para ali para estarem mais perto da capital, mas que depois não conseguiam sair para outros sítios que fossem melhores.
Eu peguei em alguns acontecimentos mais marcantes do bairro. O monstro de duas cabeças é inspirado em três pessoas que ouviam Moonspell, que cresceram comigo e que depois assassinaram um professor. Estão neste momento presos, mas fui eu que inventei os contornos. Não tive nenhuma preocupação de que as coisas fossem sequer verosímeis. Eu conheci pessoas com histórias que parecem inventadas e eu só as limei de alguma forma, organizando-as num livro.
Havia muita proximidade, nós sabíamos a vida uns dos outros e isso era também o «ser um bairro». Há uma espécie de união que se agiganta quando é altura de defender o bairro dos novos costumes, dos “invasores” que nos querem roubar a identidade, a única coisa da qual o bairro se fazia valer nos jogos de futebol, nas corridas de atletismo. Acima de tudo era um bairro que, mesmo na pobreza, na doença, na violência, era extremamente humano. A “saída” é algo com que brinco porque houve uma altura em que a Brandoa era tão autossuficiente que havia muito pouca gente a sair do bairro; por isso fui criando, ao longo da história, portais para as pessoas. Optei pelo título Bairro Sem Saída porque houve sempre uma tensão entre quem queria sair da Brandoa e quem ficava.



Apesar de o título incluir a expressão Sem Saída, o romance termina com Rogério Paulo, dentro do seu tanque, a dizer ter encontrado a saída, o que é muito curioso...
O fim é das coisas mais difíceis de escrever, mas eu não tive dúvidas quando comecei a escrevê-lo. Comecei na prova de atletismo e só acabei nos tiros do tanque. Porque o Rogério Paulo não está a sair, está a abrir caminho por entre as coisas, a dar uma saída ao bairro – a reconquista «brandoense». Viajei muito, moro num sítio no qual não cresci, mas a Brandoa é a minha casa espiritual.
Jogo muito com essa tensão entre o querer e o não querer sair, que se gerava entre os habitantes do bairro. O livro evoluiu para este jogo entre permanecer ou abandonar e eu acho que o mais importante é o regresso a casa. Isso define o português, o imigrante, o nómada, o viajante, o habitante da Brandoa. Sempre estudei muito a Brandoa e isso serviu-me bastante em algumas passagens do livro. Mas sem dúvida que o «sem saída» é um desafio, que leva os leitores a questionarem-se por que motivo o Rogério Paulo abre caminho à força com tanques. Achei interessante a ideia de mostrar o poder bélico que o bairro conseguia reunir.


É também interessante que o Rogério Paulo, que nasce durante um terramoto, faça tremer a terra outra vez, no momento em que está no tanque, como se renascesse.
Percebe-se, pela leitura do livro, que o Rogério Paulo anda a procurar-se, como qualquer adolescente. Não quer dizer que se encontre, mas tem ali uma figura paternal que é o Sr. Fonseca, o grande organizador das tropas que lhe dá um objetivo muito concreto: defender os valores do bairro, contra a invasão, que é um assunto sempre atual. A melhor forma de domínio é retirar a identidade às pessoas. Acho que toda a gente, maquiavelicamente, sabe disso. Portanto também há uma procura e um sentido na vida do Rogério. O terramoto entra aqui, não só porque eu tinha escrito um disco sobre 1755 e pesquisado muito sobre terramotos, mas também porque, quando se deu o terramoto dos finais dos anos 60, toda a gente achava que a Brandoa ia ser arrasada, o que não aconteceu. Foi uma espécie de milagre que assinala não só o começo da vida, mas também a parte da vida do Rogério Paulo à qual chegamos, na qual ele tem como que um reconhecimento do seu nascimento.


O Fernando já falou em continuar a escrever. Já tem planos para um segundo romance?
Tenho. Comecei a escrever Bairro Sem Saída há vários anos. . Já comecei a escrever, sei lá, já escrevi 10 ou 15 páginas. É muito giro escrever romances. Um dos meus melhores amigos é escritor, o José Luís Peixoto, e temos aqui esta relação de amizade e de respeito, mas também de inveja boa um do outro. Ele queria ser rockstar. Acho que este tipo de literatura, principalmente o romance, vai fazer parte agora das minhas preocupações e das minhas atividades, sem nunca descurar a música. Não há nada mais compatível do que a música e a literatura. Fiquei entusiasmado por escrever, porque é uma felicidade nós vermos uma história escrita por nós, por muito polémica, absurda, realista, má ou boa que seja. Leio muito, também, e quando estou a ler uma coisa que me envolve, estou a viver uma vida dupla que me ajuda muito à minha primeira vida.


É muito diferente escrever letras de canções e escrever um romance?
Completamente diferente. Eu nas letras tenho algumas balizas, por assim dizer, a métrica, a sonoridade, a fonética, quer em português, quer em inglês e “é uma boa encomenda”, mas não deixa de ser uma encomenda. Sou eu que faço o imaginário do Moonspell. Escrever romances é uma atividade de muito mais liberdade, não tenho que editar a métrica das palavras. Tenho esses ritmos interiorizados da música, que me podem ser úteis, mas sinto-me muito mais livre, e muito mais eu próprio, a escrever romances. Gostei muito de escrever o romance porque também é um descanso da escrita de letras – fui escrevendo e [o livro] foi-se formando. Fui descobrindo a voz sozinho e, nos Moonspell, descubro a voz em grupo.


Como é um grande leitor, enquanto escrevia, tinha algum escritor como figura tutelar?
Tentei, mas não estava a resultar. [RISOS] Aliás, houve um livro que eu li sobre escrever que me aconselharam. Fui lendo muitos livros, inclusivamente de filosofia, mas tive a preocupação de não ler nada que falasse dos subúrbios, porque não é um tema inédito. As referências na minha cabeça eram o Gabriel García Márquez, principalmente o Cem Anos de Solidão, que vê as personagens quase por dentro e lhes confere uma aura, o tal realismo mágico que ele provavelmente inventou. Para a linguagem, gosto muito do António Lobo Antunes, que tem uma obra muito complexa. O meu livro não tem nada a ver nem com um, nem com outro. Ainda por cima são vultos da literatura nacional e estrangeira. Lembro-me de ler Ken Follett, um autor que eu adoro e que escreve maravilhosamente bem.


Para terminarmos, Fernando, qual foi o livro que leu e que adorou?
Foi Eliete de Dulce Maria Cardoso. Adorei o livro. Precisava de ler um livro assim, escrito por uma mulher sem complexos. Um livro que também narrava a história de uma pessoa “casa- trabalho, trabalho-caso” e o que sobra, o que preenche os intervalos. Depois vou passar ao O Retorno, também desta autora, da qual fiquei absolutamente fã.

Senhora Vingança

de Fernando Ribeiro

ISBN: 9789895577163
Editor: Edições Gailivro
Ano: 2011
Idioma: Português
Dimensões: 143 x 190 x 10 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 152
Tipo de produto: Livro
Coleção: Mitos Urbanos
Classificação temática: Livros em Português > Literatura > Literatura Fantástica
EAN: 9789895577163
Fernando Ribeiro

Fernando Ribeiro nasceu em 1974 em Lisboa e foi criado no bairro da Brandoa, nos arredores da Amadora. Em 1992 cria a banda de Heavy Metal Português MOONSPELL que em 2022 celebra 30 anos. Nestas três décadas o grupo tornou-se o mais internacional de sempre de toda a música portuguesa com milhares de discos vendidos e tours nos cinco continentes. Em 2001 edita o seu primeiro livro de Poesia "Como Escavar um Abismo" a que se seguiram outros dois: "As Feridas Essenciais" e "Diálogo de Vultos". Abraça o amor pelas Letras no Curso de Filosofia e acumula experiências no campo da ficção com "Senhora Vingança" contos/2011), do comentário (TSF, Jornal de Leiria) e tradução ("Eu sou a Lenda").

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