Kairos

A relação destes personagens parece edificar a metáfora perfeita o "confronto" da Alemanha Oriental durante o pós-II Guerra Mundial, com a Alemanha Ocidental, imposto pela Queda do Muro. Uma mesma nação, mas cujos indivíduos provenientes do lado sob influência soviética revelam uma enorme dificuldade em aceitar e adaptar-se à novidade/modernidade, ainda que secretamente a tivessem desejado. Um homem de meia idade que se relaciona com uma jovem de 19 anos, relação essa que sabota a juventude, a vida em pleno de Katherine, com esta a revelar-se incapaz de o reconhecer e assumir, deixando assim que seja o "experiente" Hans a tomar as rédeas da sua vida. A escrita de Erpenbeck é delicada e a narrativa envolvente. É também bastante rica em referências histórico-culturais, porém um pouco difíceis de acompanhar(a edição procura explicá-las no final do livro, em vez de em notas de rodapé nas páginas das respetivas referências, o que não ajuda). Vencedor do International Booker Prize 2024, "Kairos" parecia ter tudo para me arrebatar. O momento histórico que lhe serve de "pano de fundo", os protagonistas complexos e imperfeitos, uma paixão extasiante...Contudo, acabou por não alcançar esse patamar para mim. Creio que a autora se "deixou enredar" em demasia na toxicidade desta relação, deixando pouco espaço para uma necessária redenção. Coerentemente, também dedica pouco espaço ao contexto pós queda do muro. Ainda assim, gostei muito de ler "Kairos" e ficarei muito atenta à obra de Jenny Erpenbeck.

Este livro situa-se numa época complexa na RDA, já próximo do fim desta, e os novos começos num mundo capitalista. Neste quadro duas pessoas apaixonam-se, sendo ela muita nova e ele bem mais velho, casado e muito vivido. A dada altura há um lapso nesta relação, e as consequências são duras, na forma como o amor se torna uma arma, e um meio de magoar os sentimentos. Tudo isto, para mim, foi brutalmente exagerado, tipo massacre constante, pelo que este amor não faz sentido para mim, mas isto é o que sinto. Deixou-me a pensar em certas relações, que são tão asfixiantes, que acabam sem verdadeiramente terem sido vividas.

Leitor voraz e desconfiado das novidades, este livro constituiu uma surpresa extraordinária. Escrito como que em filigrana, persevero na terceira releitura sempre a descobrir novas maravilhas, encadeamentos, perspetivas. Leitor feliz, é com imensa alegria que escrevo: há muito que o livro não me causava tão viva impressão!

O profundo e devastador retrato de um amor caótico e abusivo, num retrato de época muito fiel e realista com um paralelismo narrativo que só enriqueceu a história. Uma leitura perturbadora e dolorosa, que nos deixa em permanente estado de inquietação. Um livro que vale a pena conhecer!