Revolucionários e Querubins Livro
de José Martins Garcia
Sobre
o Livro«Numa sociedade revolucionariamente ruidosa, é ao silêncio que os querubins estão destinados. Os verdadeiros querubins apodrecem na solidão. Depois de um entusiasmo genuíno com a possibilidade de virem a transformar o mundo, soçobram quando se apercebem da «real insignificância do seu respirar». Os ensinamentos que nos deixam advertem-nos para o risco de se acreditar na liberdade política. Esta não passará jamais de uma «ocasional faísca […] sucessivamente anulada pela cegueira dos átomos». O sábio sabe que não pode falar de liberdade sem colocar a sua vida em risco. Assim se comporta o escritor: rodeado de detritos, ciente da podridão nauseabunda que infesta a vida social, enfrenta diariamente a morte, mas usa o resto das suas forças para a desarmar, armando-se, de seguida, com «o amor possível» com que enche folhas e as vê dispersas numa caligrafia instável. Diferente do revolucionário e do querubim, ele persiste na afirmação da liberdade pela escrita.
O revolucionário, uma vez no poder, nunca mais sai de casa: sem incertezas ou hesitação, perde o contacto com a população, dá ordens que destoam das necessidades do país, isola-se num poder totalitário e violento que mergulha a sociedade num irreversível eclipse. O querubim remete-se à mudez, apregoa o silêncio, descrê da liberdade. É alvejado ao lado do seu balde de ódio e, envergonhado, pede desculpa por tudo, excepto por existir. o escritor apoia-se em dúvidas, loucuras e palavras para berrar numa caligrafia inquieta que o país é uma corja. e desse modo afirma, pela criação literária, a sua liberdade.»
Leonor Sampaio da Silva