O Impostor
de Javier Cercas
Sobre
o LivroEis um fascinante romance sem ficção, saturado de ficção; a ficção não a põe o autor: põe-na Enric Marco.
Quem é Enric Marco? Um nonagenário barcelonês que se fez passar por sobrevivente dos campos nazis e que foi desmascarado em maio de 2005, depois de presidir durante três anos à associação espanhola dos sobreviventes, de dar centenas de conferências, de conceder dezenas de entrevistas, de receber importantes distinções e de comover (nalguns casos até às lágrimas) os parlamentares espanhóis reunidos para, pela primeira vez, prestarem homenagem aos republicanos vítimas do III Reich. O caso deu a volta ao mundo e transformou Marco no grande impostor e no grande maldito. Agora, quase uma década depois, Javier Cercas persegue neste thriller hipnótico o enigma da personagem, a sua verdade e as suas falsidades. E através dessa investigação, que percorre quase um século da história de Espanha, mergulha com uma paixão de kamikaze e uma honestidade dilacerante nas profundezas de todos nós: na capacidade infinita que temos de nos enganar a nós próprios, no nosso conformismo e nas nossas mentiras, na nossa sede insaciável de afeto, nas nossas necessidades contraditórias de ficção e de realidade, nas zonas mais dolorosas do nosso passado recente. O resultado é um livro que não fala de Enric Marco mas de você, leitor; também é o livro mais insubmisso e radical de Javier Cercas: um livro assombroso que, com uma audácia inédita, alarga os limites do género romanesco e explora as últimas fronteiras da nossa humanidade.
Fascinam-me as histórias de falsários – sejam falsários de obras de arte, de dinheiro, mas especialmente a história de falsários de factos, da história ou de narrativas. A história está muito bem contada, o envolvimento do escritor na investigação, a oscilação dos sentimentos que nutre pelo impostor e a tentativa de distinguir entre o que é, e o que não é, verdade tornam a narrativa uma história policial.
Cercas já nos habituou a esta arte de tornar o narrável num grande romance, uma investigação numa obra que prende o leitor. Quem é este não sobrevivente de um campo de concentração que o diz ser? Com O Impostor, como com Soldados de Salamina, ou O Monarca das Sombras, Cercas destaca-se pelo romance cuja narrativa não é ficcionada, provando que a realidade supera a imaginação e a história é muito para além duma enumeração de factos.
Um livro problemático. Se dá para reconhecer a escrita poderosa de Cercas não dá para reconhecer o escritor Cercas, com tantos medos e pedidos de desculpa. Importa assim tanto saber o que é realidade ou ficção na vida de Enric Marco? Ou há algo para esconder na vocação nacionalista do próprio Javier? Definitivamente um "livro impossível". E a não perder. Spbretudo para quem gostou de 'A Velocidade da Luz' ou 'As Leis da Fronteira'.