No Palco da Vida
de Victor Espadinha
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Sobre o livro
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o LivroOlhando para trás, não me lembro de querer da vida mais do que alguma vez pudesse ter. De início, o que tinha não era muito nem pouco, era assim-assim, maior parte do tempo muito perto do pouco, outras vezes pouco menos que isso. Escaparam-me, desde cedo, demasiado cedo, as coisas simples e imediatas que qualquer cachopo merece: por exemplo, mãe e pai sentados à mesa, juntos, mastigando conversa amena, sentindo-lhe o sabor, sem pressa. Pode não parecer muito, mas naquela altura seria mais que tudo. Bastaria essa normalidade de trazer por casa, essa maciez que sossega o ânimo, para que os primeiros anos da minha vida não tivessem sido tão penosos.
Também não me lembro de pensar se tinha o que merecia ou apenas aquilo a que tinha direito. O facto de ninguém escolher a mãe, nem o pai, nem o nome, leva-me a duvidar se por ventura chegamos a escolher o que seja, ao longo do tempo que nos está reservado. Fico mesmo com esta impressão de que a Vida é que me escolheu como palco onde se ensaiou o constante adiamento de mim próprio, e onde se assistiu à castração do que eu mais queria ser. Foram tantas as vezes em que quis largar esta pele e regressar ao meu corpo apenas quando me apetecesse. Talvez seja disso que é feito o sonho: abandono ao que não temos.