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Isabel de Aragão - Entre o Céu e o Inferno
A rainha que Portugal imortalizou como Rainha Santa
de Isabel Stilwell
Nasceu envolta no saco sagrado, a 11 de fevereiro de 1270, em Saragoça. Intocável. Protegida. Com poucos dias de vida o avô, Jaime I, levou-a consigo para Barcelona, no meio de uma tempestade. Cresceu a ouvir histórias de grandes conquistas, de reinos divididos por lutas sangrentas entre pais e filhos e entre irmãos. A história de Caim e Abel. Uma história que se repetiu ao longo da sua vida…
Aos 12 anos casou com D. Dinis, rei de Portugal, e junto dele governou durante 44 anos. Praticou o bem, visitou gafarias, tocou em leprosos e lavou-lhes os pés, gastou a sua fortuna pessoal a ajudar os que mais precisavam e mandou construir o mosteiro de Santa Clara, em Coimbra. Da sua lenda fazem parte milagres, curas e feitos. Mas a melhor rosa de Aragão, que herdou o nome da Santa Isabel da Hungria, era boa para ser rei, como dizia muitas vezes o marido.
Junto dos seus embaixadores e espiões, com a ajuda da sua sempre fiel Vataça, jogou de forma astuta no tabuleiro do poder. Planeou e intrigou. Mas a história teimava em repetir-se. Caim e Abel. Pai contra filho, o seu único filho varão contra os meios-irmãos bastardos.
Morreu aos 66 anos, depois de uma penosa viagem de dezenas de léguas de Coimbra a Estremoz, montada numa mula, para evitar mais um conflito entre Portugal e Castela. Sempre acreditou que a película em que nascera a protegeria de tudo, mas nos últimos tempos de vida sentia-se frágil e vulnerável. E duvidava. Onde falhara como mulher e mãe?
Leia já a entrevista exclusiva com a autora no wookacontece, o blog literário da wook.
Entrevista a Isabel Stilwell
Wook está na sua mesa de cabeceira?
O Meu Nome é Lucy Barton, de Elisabeth Strout. Saboreia-se cada página. Infelizmente a tradução está longe de ser brilhante, o que é uma pena, mas o livro é tão bom que resiste.
Pense numa pessoa. Wook diria essa pessoa sobre o seu último livro, Isabel de Aragão – Entre o Céu e o Inferno?
Foi talvez o mais difícil de investigar, porque queria aproximar-me da verdadeira Isabel de Aragão, para além dos milagres e dos feitos pelos quais é habitualmente conhecida, mas acredito que resultou num dos meus livros mais emocionantes. Isabel de Aragão é uma mulher mil vezes mais fascinante do que a imaginei, e este é um daqueles casos em que a vida supera em muito a ficção. Do nascimento à morte, a vida da rainha é de tirar o fôlego.
A autora, Isabel Stilwell
Booktrailer do livro
Escolhe os temas dos livros ou os temas escolhem-na a si?
Acho que as duas coisas. Num primeiro momento escolho a personagem principal do livro, mas depois preciso que a personagem me cative a mim, porque senão desisto e começo de novo.
Já escreveu crónicas, romance, literatura infantojuvenil, romance histórico… Em que género se sente mais em casa?
Sinto que a casa, a verdadeira casa onde me sinto em casa, é a escrita. Depois os “géneros” são como diferentes assoalhadas, que se complementam. Fico muito feliz por ter uma casa grande!
Há algum tema sobre o qual não goste de ler ou escrever?
Fujo dos livros e dos filmes em que a violência gratuita e a violência sexual são utilizadas apenas (do meu ponto de vista) como forma de chocar. Escrevo sobre o que me toca, o que sinto que é preciso denunciar, por isso, muitas vezes, sobre aquilo de que não gosto de ler ou ver.
A Isabel dá a conhecer mulheres que estavam cheias de pó nos bastidores da história de Portugal e faz-lhes justiça. Sente que muitos leitores se reconciliaram com a história de Portugal depois de ler os seus livros?
Gosto de acreditar que sim. Há muita gente que me diz que odiava a disciplina de História na escola e descobriu, através dos romances históricos, que afinal os apaixonam. Acho que o clique se dá quando percebem que não precisa de ser apenas um conjunto de datas e acontecimentos, protagonizadas por personagens planas, que parecem santos de altar e nada têm a ver com elas. Muitas vezes os romances são um ponto de partida para que se interessem e queiram saber mais — e é para isso que lá está a bibliografia no fim de cada um dos meus livros.
Houve algo que um leitor seu tenha dito ou feito que a tenha marcado para sempre?
Tantas que é difícil escolher. A generosidade dos leitores que se dão ao trabalho de escrever só para elogiar e agradecer, que partilham o que sentiram e pensaram quando leram o que escrevi, comove-me. Fico também muito feliz quando os leitores que seguiram os caminhos de D. Filipa e D. Teresa (de que existem roteiros), mandam as fotografias que tiraram nos lugares onde estiveram e contam como foi emocionante visitá-los. Marcam-me ainda os professores que, a partir das minhas rainhas, contagiam os alunos com o prazer da leitura, levando-os a fazer trabalhos sobre elas, trabalhos originais e fortes que me surpreendem.
A Isabel é ‘um polvo de muitos braços’: avó, mãe, escritora e, quando não está a escrever, vira os «Dias do Avesso» em conversa com Eduardo Sá, na Antena 1. Como tem tempo para tudo? Qual é a sua rotina de escrita?
Vou definindo prioridades. Quem ou o quê precisa mais de mim hoje. E depois tento ir encaixando tudo, procurando que as coisas que me dão prazer se misturem com as que dão menos, compensando-se. E com conhecimento prévio do meu relógio biológico — o meu cérebro demora a acordar, precisa de tarefas mais físicas de manhã (arrumar a loiça na máquina, brincar com os netos, autografar livros como fiz recentemente com «Isabel de Aragão» em pré-venda para a Wook), e vai aquecendo para a escrita ao longo do dia — adoro escrever à noite, quando já estão todos na cama.
Escrever: é um processo partilhado ou solitário?
É um processo solitário, posso conversar muito com alguém sobre o que vou escrever, e depois de escrito posso dar a ler a pessoas cuja opinião me importa, mas o exercício de escrever é entre mim e o meu computador (ou folha de papel).
Escrever: dá energia ou tira energia?
Dá energia. Acho que os dedos a correr sobre o teclado do computador produzem eletricidade. Então quando corre bem, quando o ecrã branco se começa a encher de palavras que se transformam num texto forte, a adrenalina é imensa.
Os seus livros implicam muita investigação. Considera-se um Sherlock Holmes?
Um bocadinho detective, um bocadinho jornalista do passado, sim. Com a ajuda de uma historiadora, procuro ter acesso aos documentos e aos livros publicados sobre a personagem e o tempo que quero retratar, e depois junto as peças do puzzle. Às vezes falta uma peça durante muito tempo, e quando de repente a encontro é um autêntico eureka!
Gostava de ver os seus livros no grande ecrã?
Gostava imenso. Estas histórias, independentemente de serem contadas por mim ou por outros, davam séries de televisão fabulosas. Quando vejo séries como o “The Crown” ou a “White Queen” penso por que não uma série sobre Filipa de Lencastre e a filha, duquesa de Borgonha, ou sobre D. Maria II, ou D. Amélia. Talvez um dia...
Há um provérbio sueco que diz: “Quando o livro é bom, o melhor está nas entrelinhas”. Concorda?
Concordo completamente. Quando o livro é bom entramos nele, e encontramo-nos nele.
Se o dinheiro não fosse uma condicionante, onde optaria por fazer a pesquisa do seu próximo livro?
Estive agora em São Tomé e Príncipe, que é mágico, um daqueles sítios que queremos que nunca percam a sua beleza natural, o encanto do seu povo. Fiquei cheia de vontade de explorar algumas das histórias que ouvi...
Se pudesse partilhar um jantar com qualquer autor (vivo ou morto), quem escolheria?
Decididamente com o Oscar Wilde. Tinha de levar muitos lenços porque ia rir até às lágrimas.
Se tivesse um superpoder, qual seria?
O poder de voltar atrás no tempo! Podia entrevistar diretamente as minhas rainhas e todas as outras personagens.
Nomeie uma coisa que não gosta que lhe digam.
Que me acusem de ter sido injusta. Porque se fui, fico desesperada comigo mesma e, se não fui, fico indignada.
Qual a pior e a melhor parte de ser escritor?
A pior parte é escrever qualquer coisa que é mal entendida, ou que é criticada selvaticamente, muitas vezes sem que tenha sequer sido lida. Como jornalista, acontece muitas vezes. A melhor parte é conseguir contribuir, nem que seja só um bocadinho, para tornar o mundo um bocadinho melhor. Como escritora, é tudo bom, adoro cheirar as folhas do livro, passar as páginas, ver como o grafismo das páginas tornou o texto tão apelativo.
Wook gostaria de ler sobre si?
Enquanto escritora? Que fiz rir e que fiz chorar, que comovi e diverti, que consegui que partilhassem da minha indignação ou comungassem da minha alegria. Enquanto pessoa, que consegui ser corajosa na defesa das causas em que acredito, lúcida, honesta, generosa e – posso pedir mais uma? – que tenho sentido de humor.
Consegue nomear 3 autores que a inspiram?
Posso nomear os quatro primeiros que me vêm à cabeça, mas ficam de fora muitos outros: Hillary Mantel, J.K. Rowling, Philippa Gregory e, mais recentemente, Elisabeth Strout.
Que livros lhe colocam um brilhozinho nos olhos?
Sempre que releio o Winnie the Pooh, do A.A. Milne, quando olho as capas dos livros dos Cinco, e aliás de quase todos os de Enid Blyton, da saga de Narnia, do C.S. Lewis e, inevitavelmente, sempre que pego de novo no Senhor dos Anéis, de Tolkien.
Wook tem vergonha de nunca ter lido?
Alexandre Herculano. Li no liceu, mas precisava de o reler de novo.
Projetos para o futuro?
No futuro próximo, dar a conhecer Isabel de Aragão e jardinar! Estou cheia de vontade de voltar ao meu jardim, e de fazer das minhas netas jardineiras. Venha o sol!
Por decisão pessoal, este texto não foi escrito segundo o novo Acordo Ortográfico.
12 Curiosidades sobre Isabel Stilwell
Isabel Stilwell UM Isabel Stilwell nasceu em 1960 e é a sétima de oito irmãos. Acha que é por isso que fala tão depressa: numa família grande, quando finalmente conseguia dizer alguma coisa, aproveitava ao máximo. DOIS É filha de pais ingleses, mas nasceu e cresceu em Portugal e nunca se cansa de contar que a mãe veio para o nosso país por amor. TRÊS Na família foi sempre tratada por Mariebelle, nome que os pais tentaram dar-lhe, mas que o registo não aceitou, por não ser português. QUATRO Detestou a escola primária e acha que quem diz que a infância é cor de rosa perdeu a memória. CINCO Estudou História na Faculdade de Letras, porque gostava mas também porque na época ainda não havia cursos de Jornalismo nem Psicologia. Em 1980, mal surgiu o curso de Comunicação Social na Universidade Nova, decidiu mudar. SEIS Começou a trabalhar no Diário de Notícias aos 21 anos, fundou a revista Pais & Filhos, foi diretora da Notícias Magazine e do jornal Destak e atualmente escreve para o Jornal de Negócios e para a revista Máxima. Tem também um programa diário na Antena 1, "Dias do Avesso", com Eduardo Sá. SETE Escreveu diversos livros de ficção e histórias para crianças, mas a sua grande paixão são os romances históricos. Em 2007 publicou o bestseller Filipa de Lencastre, a que se seguiram Catarina de Bragança, D. Amélia e D. Maria II, que vendeu mais de 45 mil exemplares e teve uma edição especial no mercado brasileiro. OITO Em 2015 publicou D. Teresa, sobre a mãe do nosso primeiro rei, e ainda no mesmo ano viu ser traduzido para inglês o seu primeiro romance histórico, Philippa of Lancaster - English Princess, Queen of Portugal. Filipa de Lencastre NOVE Além de jornalista e escritora, é mãe, avó, anda sempre a mil à hora e tem tempo para tudo, apesar de não saber muito bem como. DEZ O seu lema de vida é rir de si própria e acha que a falta de sentido de humor é das piores doenças que alguém pode ter. ONZE Acredita em magia e os livros de Harry Potter e O Senhor dos Anéis estão entre os seus preferidos. DOZE Deu uma entrevista exclusiva à Wook, a propósito do seu livro mais recente, Isabel de Aragão.
7 motivos para ler... Isabel Stilwell
7 motivos para ler… Isabel Stilwell
Nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, escolhemos sete nomes incontornáveis.
Isabel Stilwell tem 59 anos e dedica-se desde os 21 anos à escrita, quer como jornalista, quer enquanto autora de livros.
O seu catálogo é vasto e plural: tanto escreve romance histórico, como contos ou livros de memórias.
«ESCREVO SOBRE O QUE ME TOCA, O QUE SINTO QUE É PRECISO DENUNCIAR, POR ISSO, MUITAS VEZES, SOBRE AQUILO DE QUE NÃO GOSTO DE LER OU VER.»
#1
Isabel Stilwell nasceu em 1960, filha de pais ingleses, a sétima de oito irmãos.
#2
Disléxica, a autora admite que detestava a escola. Apesar das dificuldades com a ortografia e das previsões dos professores, a sua vida gira ainda hoje em volta da escrita.
#3
Iniciou a carreira de jornalista no Diário de Notícias aos 21 anos. A partir daí, trabalhou para publicações como a Marie Claire ou o Jornal i, fundou e dirigiu a revista Pais & Filhos, foi diretora da Notícias Magazine, do Jornal Destak e continua a escrever crónicas regulares na imprensa.
#4
A autora mantém na Antena 1 a rubrica diária “Dias do Avesso” onde fala com o psicólogo Eduardo Sá sobre temas da atualidade.
#5
Escreve para crianças e, nos últimos anos, a sua maior inspiração são as suas netas. Ser avó é um papel que assume com orgulho e que deu origem a vários livros.
#6
Estreou-se no romance histórico em 2007 com Filipa de Lencastre e rapidamente conquistou leitores fiéis. As mulheres estão no centro dos romances de Isabel Stilwell e, neste momento, são já oito as rainhas portuguesas retratadas pela escritora.
#7
Os seus romances históricos são fruto de muitas horas de pesquisa. A autora confessa que fica feliz pelo facto de os seus romances despertarem nos leitores o gosto pela História de Portugal.
Wook dizem os nossos leitores?
- «Sou fã destes livros históricos desta autora em particular. Além da escrita envolvente que nos prende e que faz com que não queiramos largar o livro, adoro as particularidades das épocas retratadas e toda a pesquisa que se sente na narrativa. Ler o livro torna-nos conhecedores desta rainha e da época em que ela viveu sem ser um enfado estudar a história do nosso país. Foi um prazer ler o livro. Obrigada Isabel.» Ana Gomes [A propósito de Isabel de Aragão]
- «Os livros de Isabel Stilwell são uma forma fantástica de viajarmos a outras épocas e conhecermos a vida das grandes mulheres da nossa história.» JSA
- «Um livro mágico em que podemos ver a vida de uma grande rainha de Portugal. Consegue-nos fazer imaginar a vida das personagens do livro.» Carolina Rodrigues [A propósito de D. Maria II Tudo Por um Reino]
- «Mais um muito bom livro de Isabel Stilwell. A forma mais feliz e agradável de estudar história de Portugal, deixando ao mesmo tempo espaço para a imaginação.» Susana Moura [A propósito de Catarina de Bragança]
Isabel Stilwell: «A escrita é o meu talento, o meu contributo para mudar o mundo»
Isabel Stilwell (Lisboa, 1960) é a escritora de romances históricos mais lida em Portugal.
A estreia neste género literário aconteceu em 2007 com o livro Filipa de Lencastre e nunca mais teve fim. Os seus leitores agradecem.
Depois de escrever sobre algumas das rainhas mais emblemáticas portuguesas, ao nono livro, Stilwell conta-nos a história de D. Manuel I (1469-1521), num livro em que aborda os casamentos do rei com as infantas espanholas Isabel e Maria, filhas dos reis católicos Isabel e Fernando.
Foi esse o (bom) pretexto para darmos o pontapé de saída a uma conversa generosa que partilhamos agora consigo.
Antes de ser jornalista e escritora, Isabel gosta de frisar que é mãe de três filhos e avó de oito netos (número em permanente atualização!).
«SOU FEMINISTA E ACHO QUE NÃO HÁ NENHUMA MULHER QUE POSSA NÃO O SER»
A par de uma longa carreira no jornalismo, em 2007 iniciou-se na escrita de romances históricos com o livro Filipa de Lencastre. A História é um fascínio desde sempre?
Nasceu com o meu pai – ou foi o meu pai que o fez nascer. O meu pai estava sempre a contar-nos histórias. Uma pedra nunca era só uma pedra; uma arca nunca era só uma arca; um castelo nunca era só um monte de pedras. No fundo, percebi que a História e as histórias poderiam estar interligadas e, depois, também sempre fui uma ávida leitora de romances históricos.
À exceção do último livro – D. Manuel I – todos os outros têm protagonistas femininas. A propósito disto, gostava de lhe fazer duas perguntas:
1) Se a História nos mostra que as mulheres têm um papel menor, de bastidores, porque decide escrever sobre elas?
2) E, ao nono livro, o que a fez mudar de perspetiva?
A resposta é que é exatamente por isso que elas são tão interessantes. Não se sabe tanto sobre elas, não se escreve tanto sobre elas, elas permanecem desconhecidas embora tenham um papel importante.
No livro D. Manuel I, eu não abandonei as mulheres. Elas estão lá. O «meu» Manuel é um livro visto pelos olhos das mulheres que o rodeavam: a mãe dele, a duquesa de Viseu, uma mulher poderosíssima; a ama dela, uma mulher com uma história de vida muito engraçada e que mantém uma influência determinante; e depois, as duas rainhas. Eu nem sequer conhecia os nomes das mulheres de D. Manuel quando comecei a investigar. E, sobretudo, não sabia que eram filhas da poderosa Isabela Católica, que é uma mulher que arrebata o poder pelas armas e o mantém. E que estas mulheres são irmãs de Catarina de Aragão, mulher de Henrique VIII. Por isso, não é a escolha de um homem sem mulheres, é a escolha de um homem visto por mulheres.
É importante para si tirá-las dos bastidores e dar-lhes palco? Considera-se feminista?
Não tenho nenhuma ideologia desse género, de que vou fazer isto para todos verem quem são estas mulheres, de que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Não. Eu faço-o porque elas me interessam genuinamente, acho que as suas histórias são tão imperdíveis que quero partilhá-las com os meus leitores.
Em relação à segunda pergunta: sou feminista e acho que não há nenhuma mulher que possa não o ser. Quando olhamos para a História recente, nem precisamos de recuar muito. Em 1974, as mulheres tinham de pedir autorização aos maridos para sair do país.
Em 1977 – eu tinha 17 anos nessa altura – foi revogada a lei que permitia que o marido rescindisse o contrato de trabalho de uma mulher. Ninguém pode deixar de ser feminista neste sentido. O que não significa obviamente que eu concorde com todas as reivindicações de todos os movimentos feministas. Mas de base, há ainda um trabalho enorme a fazer, e sobretudo, não nos podemos limitar à nossa realidade onde de facto as mulheres já conquistaram muitos direitos. Há tantos lugares do mundo onde as mulheres andam de burca e onde não têm os mais elementares direitos. A minha perspetiva é sempre a dos direitos humanos, não é a de que as mulheres tenham mais direitos do que os homens. É a da igualdade de direitos.
Qual é o critério de escolha sobre que figura vai escrever? Editorial, comercial, emocional?
Quando foi Filipa de Lencastre, que foi a primeira e abriu caminho para todas as outras, foi uma escolha do meu inconsciente, mas foi uma escolha racional e inteligente. Os meus pais eram ingleses, e a minha mãe era da mesma zona de Filipa de Lencastre, veio para Portugal para casar, teve oito filhos, e sendo a única princesa que foi rainha de Portugal numa família inglesa, obviamente era uma família de que se falava em [nossa] casa.
As outras escolhas têm sido muito por qualquer coisa que me toca num livro ou durante a pesquisa. Filipa de Lencastre só teve uma filha, a Ínclita Geração só tem uma rapariga. O que é que aconteceu a esta rapariga? Segui-a até aos 18 anos, que é a idade que ela tem quando a mãe morre, mas o que foi a vida dela depois disto?
Pesando a coerência da História, fiel aos factos, e a importância de agarrar o leitor com boa ficção, a sua balança pende mais para que lado?
A minha abordagem é muito jornalística. A primeira parte é ter a certeza dos factos que são possíveis apurar, perceber a história muito bem, ler os contratos, perceber os tratados, ou seja, fazer uma grelha e, depois, aplicar sobre isto, nos hiatos onde não há informação, a plausibilidade.
Eu posso ter uma carta ou um contrato e eu tenho sempre o meu leitor em mente. E tenho sempre, como jornalista, a ideia de que tenho de tornar a informação clara e acessível a quem me está a ler.
Tenho de contar as histórias das pessoas, as personagens a três dimensões. Não podem ser umas figuras apagadas e monótonas que não se revelam e que não atraem. Nesse sentido, posso, por exemplo, transformar uma carta num diálogo ou um tratado numa troca de conversa, mas mantendo o rigor da informação. Claro que mal colocamos diálogo num livro – a não ser que esse diálogo esteja reportado nalgum lado – nós estamos a introduzir ficção e, isso, é a Literatura. É Literatura a forma como conseguimos tecer as personagens, senão era um dicionário. O que um romance que prende faz é criar tensão psicológica, criar história. Aí entram os artifícios da escrita.
«CREIO QUE NUNCA COMETI UM ERRO GRANDE – SOU MUITO RIGOROSA E EXIGENTE COMIGO»
O que lhe toma mais tempo: a investigação ou a escrita propriamente dita?
Meio, meio. Há uma primeira fase de leitura, investigação, visitas aos sítios, muito build-up até eu saber bem a história.
Quando escrevi sobre Isabel de Aragão, a rainha santa, no início olhava para os nomes das pessoas e sentia-me a ler a Hola. Quando cheguei ao fim de quase um ano de investigação, eu já fazia como aquelas pessoas que abrem uma revista e dizem «Ah, pois, este é primo deste, filho daquele!». Aquelas pessoas já me eram familiares.
Quando já sei a história, passo-a da forma mais clara possível, limando o que não é importante.
Em livros tão densos e recheados de factos, não há o risco (o medo até) de cometer erros? Já lhe aconteceu nalgum livro?
Já, já aconteceu. Mesmo com cuidado da editora, tem sempre uma revisão histórica. Mesmo durante a feitura do livro de D. Manuel, a Joana Pinheiro de Almeida, que é historiadora, ajudou-me em muitas coisas, mas escapa sempre. Costumo dizer que tenho a humildade e o prazer ao mesmo tempo de ter um intercâmbio com os leitores. Quando os leitores descobrem alguma coisa incongruente ou uma gralha que nos escapou a todos, ainda bem! Na D. Teresa, houve um senhor que me escreveu a dizer «Olhe, está aqui broa de milho, mas não havia milho nesta época». E nós sabemos todos isso – e a verdade é que nos escapou. Na edição seguinte foi broa de centeio. Tenho a grande sorte de os livros venderem muito e podermos fazer novas edições, o que permite que as edições melhorem e os erros sejam corrigidos. Creio que nunca cometi um erro grande – sou muito rigorosa e exigente comigo. Posso ter interpretações conscientes, diferentes do mainstream da história, mas são muito fundamentadas, penso muito nelas. No caso de D. Manuel, tomou a decisão de expulsar os judeus por imposição da sua futura mulher, a rainha D. Isabel. E há agora uma tese diferente, de François Soyer, que diz que não, que ela pediu a expulsão dos hereges, mas D. Manuel é que foi mais papista que o papa e expulsou judeus e mouros. Isto só é relevante porque é uma forma de deitarmos as culpas para uma mulher e para os vizinhos do lado. [risos]
Considera que há algum preconceito por parte dos historiadores em relação ao seu trabalho?
Há historiadores e historiadores; há escritores e escritores. Também pode haver por parte dos escritores um preconceito em relação a um tipo de literatura para outro tipo de literatura. Os preconceitos fazem parte de todos nós. Tenho tido surpresas ótimas com historiadores e, inclusive, professores de História, que me escrevem a dizer a diferença que faz terem lido os meus livros e passarem esse entusiasmo de uma maneira diferente aos seus alunos; e tenho tido outras experiências menos boas, claro, mas faz parte.
Há ainda um outro preconceito, que é o de se considerar um bestseller como uma obra menor. Isto é: se vende muito, não pode ter qualidade. Qual é a sua opinião sobre isto?
Passar um atestado de menoridade aos leitores é uma coisa deprimente.
Até acredito que o livro de um autor, uma vez com uma ação de marketing grande possa vender bem, mas se o livro não for bom, o segundo, o terceiro ou o quarto não vão vender de certeza. As pessoas não são burras. Se estão no top livros que algumas pessoas acham que são fúteis ou desinteressantes, eu, posso olhar para um top e perguntar-me porque é que tanta gente se está a interessar por esse fenómeno. Não posso fazer uma leitura paternalista. Os catálogos estão cheios, as pessoas têm muito por onde escolher. Ao fim de nove livros bestsellers, eu não acredito que haja tantos leitores masoquistas que se castiguem com volumes de tantas páginas. [risos]
Apesar do seu percurso e de ser reconhecida como a autora de romances históricos mais lida em Portugal, recentemente afirmou numa entrevista ao Público que não faz Literatura (apenas conta histórias). Se isto não é falsa modéstia, o que é para si Literatura?
Não. Eu retraio-me dessa afirmação. O que eu queria dizer é que eu própria consigo ver dentro da Literatura níveis a que eu ambicionaria, e que há coisas melhores do que aquelas que eu faço. Mas não faz sentido tirar o livro da Literatura. A Literatura é contar histórias.
Quem são as suas grandes referências literárias?
Se eu fechar os olhos e pensar nos primeiros livros que li, os que me trouxeram o amor aos livros, terei de falar sempre do Peter Pan, do Winnie-the-Pooh, que a minha mãe me lia. Depois, dos livros de Nárnia, do C.S. Lewis, do Tolkien. Tive sorte, o meu irmão mais velho leu-me alto os três volumes d’ O Senhor dos Anéis. Eu tinha 18 anos.
Os Cinco, de Enid Blyton. Pode estar proscrita, mas para milhares de crianças portuguesas foi a iniciação à leitura. Adorei todos os livros dela.
Numa fase mais adulta, adorei os livros da Hilary Mantel. Romances históricos que ganharam vários prémios. Tenho lido também Javier Marías, Elena Ferrante, Zimler. Li recentemente um que adorei, Educated, da Tara Westover. Tudo é uma influência.
Além de romances históricos, escreve contos e histórias infantis. São processos concomitantes ou dedica-se a cada um em exclusivo? Como é feita essa gestão?
Esses livros são o recreio dos romances históricos.
Os romances históricos exigem muita concentração, não são coisas que se pegue e que se largue. Ao passo que as histórias infantis, mesmo as histórias das rainhas para crianças, são livros que eu consigo fazer entre outros.
«USAR EMOJIS OU TER DE ESTAR CONSTANTEMENTE A FAZER DISCLAMERS DE COISAS QUE SÃO ÓBVIAS EMPOBRECE A ESCRITA»
A Isabel é muitas vezes citada na comunicação social por manifestar a sua opinião (polémica) sobre um determinado assunto. Prefere dizer sempre o que pensa? Ou já não está para se chatear e resguarda-se mais?
Eu queria ser capaz de me resguardar mais, mas depois não resisto.
Sei que isto vai parecer um bocado moralista, mas… A minha mãe e o meu pai educaram-nos com base na ideia de que nós temos de mudar o mundo à nossa dimensão e dentro das nossas possibilidades. A parábola dos talentos: cada um tem de usar o seu talento e é por esse talento que vai responder. Obviamente que não tenho a menor pretensão de ter um papel grande.
Na escola, tive muita dificuldade, mesmo na escrita. Mas era a área em que eu achava que era capaz e, portanto, esse era o meu talento. Nesse sentido, não consigo abdicar dele. É o meu contributo, vale o que vale, mas compete-me fazê-lo mesmo que me dê chatices.
Até dentro do jornalismo, o ataque talibanesco – e eu fui alvo de vários – fazem com que nós exerçamos muita auto-censura. Mesmo a necessidade – que eu considero empobrecedora – de agora termos de pôr emojis, de ter de escrever «olhe, eu não sou homofóbica, mas…», ou seja, estar constantemente a fazer disclamers de coisas que são absolutamente óbvias... Isso é um empobrecimento civilizacional. E empobrece muito a escrita.
Se o dinheiro (e a pandemia) não fossem uma condicionante, onde gostaria de fazer a pesquisa para o seu próximo livro?
No Brasil. Adorei as vezes que estive no Brasil. A história Portugal-Brasil seria uma escolha.
Wook está na sua mesa de cabeceira? Wook está a ler neste momento?
Acabei Os Enamoramentos, do Javier Marías.
Tenho sempre dois ritmos: tento ter, à noite, no banho de imersão, um livro mais lúdico por contraponto aos livros de trabalho, de pesquisa. Terminei o Javier Marías e vou começar o novo da Elena Ferrante.
Há algum novo livro na calha? Podemos levantar a ponta do véu?
Há um livro na calha, mas não posso levantar a ponta do véu. [risos]
Será um romance histórico. Não posso revelar mais.
Se pudesse jantar com um escritor vivo ou morto quem escolheria?
O Oscar Wilde! [gargalhada]
De certeza absoluta!
ISBN: | 9789898818867 |
Editor: | Manuscrito Editora |
Ano: | 2017 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 156 x 232 x 35 mm |
Encadernação: | Capa mole |
Páginas: | 528 |
Tipo de produto: | Livro |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Romance |
EAN: | 9789898818867 |
Um bom livro!
Regina R.
Já li vários livros desta autora porque adoro romances históricos. Este, mais uma vez, não desiludiu.. Entre páginas vamos ficando a conhecer pedaços da história do nosso Portugal. Recomendo a leitura deste livro.
Fascinante do princípio ao fim!
Telma
Uma obra fascinante que nos prende a atenção de imediato. Adorei a forma como nos liga aos factos históricos de uma forma tão cativante que não conseguimos parar de ler.
Mais um grande livro!!!
Ana Gomes
Sou fã destes livros históricos desta autora em particular. Além da escrita envolvente que nos prende e que faz com que não queiramos largar o livro, adoro as particularidades das épocas retratadas e toda a pesquisa que se sente na narrativa. Ler o livro torna-nos conhecedores desta rainha e da época em que ela viveu sem ser um enfado estudar a história do nosso país. Foi um prazer ler o livro. Obrigada Isabel.
Isabel de Aragão – Entre o Céu e o Inferno
Dália
Conhecer a história de Portugal, através das estórias das “personagens” que a fizeram e descrita desta forma arrebatadora é um privilégio e um prazer, é como viver os acontecimentos na primeira pessoa, e é por isso que continuo a ler os livros da Isabel Stilwell.
Mais uma Rainha
Patrícia Melo
Tão bom como todos os outros livros já escritos pela autora. Com a sua escrita Isabel Stilwell faz com que entremos na História, através das suas histórias. Um livro fenomenal, que não se pode deixar de ler. Não percam!
Um Presente Interessante e Instrutivo
Ruben José Ramos Cardia / Bauru, SP, BR / 19MAIO17
Sendo assíduo cliente da WOOK foi com satisfação que vi o lançamento do livro sobre Isabel de Aragão. Vi que seria interessante e instrutivo presente para minha esposa, que se dedica a ler esse tipo de livro. Ela já está lendo com avidez, praticamente chegando à metade do livro, sendo que gostou muito da estória dentro da história, sobre a vida de famosa Rainha. Fiquei feliz ao ver que o livro foi um presente que agradou, além da rapidez na entrega por WOOK, apesar da distância, pela localização em ultramar do destinatário. Parabéns WOOK. Aguardamos novos lançamentos.
As mulheres da Historia
Isabel Malheiro
Comprei este livro, e mais que escreva, cá estou para os ler. Isabel Stilwel descreve na perfeição todas estas mulheres que fazem parte da nossa longa e rica historia como nação, e este livro é mais um, imperdível e apaixonante. Não podem deixar de comprar.
Fazer parte integrante da história através da leitura
Telma Mendes Pereira
Apaixonante, cativante, que nos prende e envolve à história como parte integrante da mesma. Este livro, tal como os outros da Isabel Stilwell, fazem-nos sentir e viver a história e a História. Interessante, apelativo, sedutor, quando se começa a ler, nunca mais se consegue parar. Recomendo vivamente!!
Isabel de Aragão
Susana Silveira
Amei este livro, tal como todos os outros livros desta autora. Magnífico, ao lê-lo é como se estivesse lá e fizesse parte da história, como observadora anónima. Conhecer Isabel de Aragão pela escrita de Isabel Stillwell é um privilégio.