As cartas da prisão de Nelson Mandela

8 de fevereiro de 2018
«As Cartas da Prisão de Nelson Mandela»
No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Nelson Mandela são reveladas 255 das cartas que escreveu durante os seus 10052 dias de encarceramento.
Preso em 1962, quando o regime do apartheid da África do Sul intensificava a sua campanha brutal contra os opositores políticos, o advogado e ativista do Congresso Nacional Africano, na altura com 44 anos, não fazia a menor ideia de que passaria os próximos 27 anos preso.
Estas cartas, organizadas cronologicamente, revelam um pai e marido extremoso, um lutador incansável pelos direitos humanos e, acima de tudo, um homem de uma coragem imperturbável, que se recusou a comprometer os seus valores mesmo quando confrontado com um enorme sofrimento.

Espreite este excerto:
PARA WINNIE MANDELA, MULHER – 2.04.1969
«Meu amor,
Fui totalmente apanhado de surpresa ao saber que não tens estado bem, pois não fazia a mais pequena ideia de que desmaiavas com frequência. Conhecia apenas os teus problemas de coração e os acessos de pleurisia. Contudo, fico contente por os especialistas terem diagnosticado a doença e os desmaios terem desaparecido. Gostava de conhecer os pormenores do diagnóstico dos médicos.
Agrada-me saber que o teu médico de família tem sido maravilhoso como de costume e desejo que recuperes depressa e por completo e tenhas tudo de bom na vida, Ngutyana.*
«The power of Positive Thinking» e «The Amazing Results of Positive Thinking», da autoria do psicólogo americano Dr. Norman Vicent Peale, podem ser leituras proveitosas. A biblioteca municipal deve tê-los. Não dou importância aos aspetos metafísicos da sua argumentação, mas considero valiosas as suas opiniões sobre as questões físicas e psicológicas.
O argumento essencial dele é que a importância não está apenas na doença de que se sofre, mas na atitude assumida perante ela. O homem que diz: vou vencer esta doença e ter uma vida mais feliz já está a meio caminho andado da vitória.
De todos os teus talentos, o que mais me atrai é a tua coragem e determinação. É isso que te faz sobressair do comum e que no final te trará o triunfo. É preciso que tenhas permanentemente consciência disto.
(…)
Finalmente, a foto de família, «mas que obra-prima». Kgatho e as irmãs estão muito bem, e deu-me uma grande alegria ver a fotografia da minha mãe. O teu pequeno retrato quase deu origem a uma sublevação. «Ayingo Nobandla lo!»** (…) O retrato despertou-me sentimentos contraditórios. Pareces-me triste, ausente e adoentada, mas sempre adorável. O retrato grande é um trabalho magnífico que mostra tudo quanto reconheço em ti, a beleza arrebatadora e o encanto que dez anos de vida de casada não arrefeceram. Desconfio que com esse retrato pretendias transmitir uma mensagem especial, impossível de expressar por palavras. Podes ficar descansada, eu captei-a. E quero dizer-te agora que esse retrato me despertou sentimentos ternos e suavizou a agrura de quanto me rodeia. Agudizou as saudades que sinto de ti e do nosso lar, doce e pacífico.
(…)
Finalmente, Mhlope,*** queria que soubesses que se no passado as minhas cartas não foram apaixonadas é porque não tenho querido aumentar a minha dívida para com uma mulher que, apesar das tremendas dificuldades e falta de experiência, tem conseguido conservar acesa a chama do lar e atender aos mais pequenos desejos e necessidades do companheiro da sua vida que está encarcerado. Estas coisas fazem com que me sinta o humilde objeto do teu amor e afeto. Lembra-te de que a esperança é uma arma poderosa mesmo quando tudo o mais está perdido. Contudo, tu e eu temos ganho muito ao longo dos anos e fizemos progressos em aspetos importantes. Estás no meu pensamento em todos os momentos da minha vida. Nada te irá acontecer, meu amor. Vais certamente recuperar e voltar a reerguer-te.

Com um milhão de beijos e toneladas de amor.
Dalibunga.»

* Um dos nomes de Winnie Mandela, que é oriunda do clã amaNgutyana
** «Esta não é Nobandla», em xossa
*** Um dos nomes de Winnie Mandela

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