Riscava a Palavra Dor no Quadro Negro
de Luís Quintais
Sobre
o Livro«"O que fazer da biografia, quando ela já não responde?", pergunta o poeta a dado passo, e talvez esta sequência de textos seja sobre isso, sobre a resposta mútua da poesia à biografia. Ou a incapacidade de resposta.
O texto está cheio de alusões elegíacas ou apocalípticas, embora menos descritivas do que nos livros propriamente fúnebres de Quintais. O tom é solipsista, quase não há diálogos com terceiros. São assumidamente poemas de desamparo, que têm a sua imagem objectivada na eliottiana "cidade irreal" que conhecemos já de anteriores colectâneas, urbe de metal e asfalto, de consumo e resíduos, de angústia e vazio. [...] E no entanto, Luís Quintais extrai deste negrume uma espécie de eloquência da sombra, um discurso rigoroso em dísticos elegantes e exigentes, pensantes.»
Pedro Mexia, Público
e o terrível sentir de uma palavra moral.
A guerra consigo mesmo,
esse combate mortal, jogava-se, não nas trincheiras
(as trincheiras seriam apenas um expediente
para o vazio que em si parecia contemplá-lo)
mas no seu oco, nessa incerteza que o percorria,
que merecia ser ferida, golpeada,
numa espécie de ódio de si mesmo
que lhe diziam envenenar a alma vienense,
cujos golpes seriam um desvio
para outra coisa, um degrau abandonado,
uma clareza consentida e de partilha improvável.
Riscava a palavra dor no quadro negro
que intensamente lhe tomava o olhar
quando escutava um dos dilectos,
ele que sempre odiara discípulos, e aqui
estava ele, a avaliar a dor do mundo
através de um relance sobre a inviolável
gramática da perplexidade.
Luís Quintais, "X", in Riscava a palavra dor no quadro negro