O Olhar Moderno

A investigação histórica e teórica sobre a fotografia foi durante muitas décadas objecto marginal no campo das ciências humanas e do pensamento crítico de uma forma geral. A exclusão a que foi votado este objecto, tão omnipresente na história e na memória dos séculos XIX e XX só pode ser compreendida como uma operação de recalcamento proporcional à importância que a fotografia passou a ter no quotidiano. Dessa omnipresença, em parte traumática pelo seu excesso de ‘real’, deu Barthes conta na sua obra. Mas por razões racionalmente inexplicáveis, este interesse mais humanista, filosófico ou sociológico pela fotografia discernido por Barthes, como já o fora também por Benjamin, não teve grandes consequências, sobretudo se pensarmos num contexto europeu continental. Múltiplas vezes venerado, mas esquecido no desenho dos currículos académicos, o livro de Barthes não teve, afinal, o destino que se lhe devia. E os escritos de Benjamin foram demasiadas vezes circunscritos ao debate sobre a ‘arte’.

Trinta anos passados sobre a publicação do livro de Barthes, a investigação histórica e teórica sobre a fotografia começa agora, marcada pelo luto e pela retrospecção desencadeadas pela revolução digital, a dar os seus frutos. Este livro de Maria João Baltazar é um sinal dessa mudança, e também de que a coragem para abordar essa área do recalcado da experiência humana moderna - a experiência da fotografia - vale o esforço. Diante de nós está agora um livro - de que acompanhei já a sua primeira versão sob a forma de tese de Mestrado -, que constitui um incentivo à continuação da investigação nesta área, e entre as suas inúmeras qualidades sublinharia a que parece mais interessante: a de revelar a fotografia como um objecto que se situa no cruzamento de múltiplas disciplinas, da mesma forma que espelha o cruzamento de múltiplas experiências da vida.

Ao trabalhar a questão da memória pessoal através da fotografia, da sua relação com a recolecção e a rememoração, Maria João Baltazar convoca o que de mais fascinante possui este medium, na medida em que sublinha e analisa o carácter perturbador e indecidível da fotografia privada - bem como de qualquer uma. Mas é neste nó górdio que reside, muito provavelmente, a razão pela qual o debate sobre a fotografia e a sua história tem sido tão tortuoso.

Margarida Medeiros, Crítica de fotografia e Professora investigadora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2009