Central Europa Livro
de William T. Vollmann
Sobre
o LivroVencedor do National Book Award em 2005, Central Europa constitui um notável exercício literário que se propõe meditar sobre a moralidade das acções humanas no contexto de uma época histórica em que a moral se desloca do limbo da incerteza para a pura impraticabilidade. Nesta colossal obra de ficção, o escritor norte-americano William T. Vollmann centra o seu olhar nos regimes totalitários que vigoraram, durante parte do século XX, na Alemanha e na União Soviética, narrando, em tom de ironia fúnebre, a marcha insana destes dois leviatãs antagónicos, e autopsiando o mapa da terrível era a que estes deram origem.
A história, politemporal e polifónica, deste livro enlaça os percursos e os destinos, ao mesmo tempo obsessivamente documentados e imaginativamente ficcionados, de uma série de personagens (quase todas) reais, entre as quais se conta a artista plástica alemã Kathe Kölwitz, a poetisa russa Anna Akhmatova, o jovem oficial da SS Kurt Gerstein, os generais Vlasov e Paulus, o realizador de cinema soviético Roman Karmen, entre outras. A mais proeminente dessas personagens, cuja vida domina, acima de todas as outras, os diferentes movimentos desta sinfonia literária é, contudo, a de Dmitri Chostakovich, o compositor soviético, que nesta obra é retratado como um homem assombrado por dois rostos: o rosto omnipresente de Estaline e, sobretudo, o rosto secreto de Elena Konstantinovskaya, a mulher-amante que, como o próprio autor diz, é ela própria a Europa, a ideia de transcendência que hipnotiza e atrai a História para o abismo.
Dizer que é um romance central na produção literária deste século XXI é pouco. Um pilar na literatura moderna, e o qual, com as devidas diferenças, nomeadamente de estrutura, podemos alinhar com David Foster Wallace. William T. Vollman merece ser lido com atenção e entrega. Consegue, abordando uma época e uma temática já altamente espremidas, uma frescura e uma clareza de grande nível. Uma palavra também para a edição, da 7 NÓS, que vale cada cêntimo.
Parafraseando aquele adágio propalado no Facebook “Numa relação…” foi exactamente esse o estado em que me encontrei face ao livro Central Europa de William T. Vollmann. Uma relação adequadamente duradoira obedecendo, pelo menos neste parâmetro, aos preceitos mais conservadores. Composta aqui e ali por alguma letargia do hábito (a volumetria das 919 páginas faz dele aquele tipo de senhora respeitável entradota na idade, já longe da sua melhor forma curvilínea, mas de uma sapiência que não está ao alcance mais da mais tenra ou terna donzela; e com isto quero referir-me a várias amplitudes…). Esta senhora, encostando-me ao sofá, ou ao melhor lugar para lhe pegar, pois ela é um assinalável cartapácio, não mostrou ponta de ciúme ao apresentar-me a Elena Konstantinovskaya; não revelou desconhecer Chostakovitch e a sua diatribe revolucionária que lhe assassinou o génio; não hesitou em levar-me pelo cinema documental de Roman Karmen sobre as frentes e lutas bolcheviques por esse mundo fora; não se eximiu de sobrevoar Estalinegrado e dar-me a conhecer o genial Marechal de Campo Friedrich Wilhelm Ernst Paulus que com a sua rendição ajudou a pôr termo à segunda guerra mundial… enfim… Não foi uma relação perfeita, e por algum tempo foi apenas uma união de facto, mas inevitavelmente resvalou em matrimónio, pois já não passava sem ela.