Andanças e Façanhas de Alfanhuí

«Quando o leitor enfrenta um texto como o de Rafael Sánchez Ferlosio, Andanças e Façanhas de Alfanhuí, conhece ou revive a nostalgia de contar histórias. Só, com o livro nas mãos e a imaginação à solta, não pode evitar a tentação de deixar-se levar pelos sonhos fantásticos que habitam em todos nós e narrar, ante um auditório invisível, aquilo que o pudor e a razão mantiveram sempre escondido, resguardado, inclusive, dos filhos que reclamavam contos para poderem dormir com os seus sonhos infantis. [...] Alfanhuí é também a verificação da capacidade de efabular que existe nos homens. Ferlosio escreveu em 1950 narrativas com as quais, numa vida idílica, todos nós teríamos querido ser adormecidos. Ou adormecer os nossos filhos. Elas aí estão agora, para nosso deleite.»
Expresso

"Don Zana trabalhava numa fábrica de chocolates e ninguém tinha melhores mãos para bater a massa. As suas eram como palmatórias de madeira, e tinham os dedos rígidos e estendidos, pegados uns aos outros, esboçados apenas. Trabalhava com uma rapidez maravilhosa; pegava na pasta, batia-a e volteava-a no ar como ninguém. Saracoteava-se como um malabarista, como se estivesse no circo, e dava um ritmo aos batimentos das suas mãos, que parecia comandar o trabalho de toda a fábrica. O gerente nunca tinha tido um operário tão bom, e o chocolate batido por Don Zana reconhecia-se entre todos os outros. De tal modo que lançaram um tipo de tablete que se chamou «Tablete Donzana», tão homogénea e coesa que se partia como alcaçuz, com fractura concoidal, e que ganhou uma medalha de ouro na Exposição Mundial de Barcelona. Com isto, La Sabrosa, S.A. conheceu um esplendor que o seu humilde gerente nunca teria suspeitado; ampliou a fábrica e centuplicou os lucros. Foi no melhor momento que Don Zana se quis despedir, alegando que se lhe estilhaçavam as mãos ao bater o chocolate."