Andamentos
de Mário Passos Furtado
Sobre
o LivroNeste livro tocam-se pautas de poemas, incluídos numa sinfonia sem nome, executada em vários andamentos grafados. Cada verso, em querendo, adquire a magia de um naipe de instrumentos: as madeiras em fogo, os metais canoros, a ária triste a projetar uma textura algo baça, um tímido oboé, um solo de violino, em adagio, a exprimir um lamento, uma dor longínqua, uma dor próxima.
Se se encontrar uma nota, uma referência a Herberto Helder, a Leonard Cohen ou a Ruy Belo, entre outros, não será de estranhar: todos eles são músicos nas suas letras, professores na sua filarmonia de poetas. E, como nos hinos mais épicos e nas árias mais simples, há diferenças de dimensão, de tom, de ritmo, de intensidade. Cada andamento tem (quer ter) a sua cadência e a sua própria melodia (ou fragor), sob uma batuta. O leitor é o grande executante.
"poderia talvez Herberto ter dito que
havia um livro que corria por um orvalho dentro
mas este era um livro que estava aqui
nesta rocha
quieto
com um poema em branco por escrever
até que um homem o abriu e as palavras começaram a surgir
sílaba a sílaba verso a verso
(…)
o homem entendia o poema
o poema dava-se bem com o homem
mas de repente houve um estremecimento
e o homem fechou o poema
isto é
fechou o livro que suspendeu o poema
e as letras deixaram de aparecer na página branca
por que terá o homem terminado essa leitura
não sei
há coisas que eu não sei"