Entrevista a Alex Schulman

O autor do romance «Sobreviventes»
17 de janeiro de 2020
Alex Schulman escreve para o jornal Expressen e é autor do podcast mais popular da Suécia. Antes de escrever Sobreviventes, o seu primeiro romance, publicou quatro livros autobiográficos com grande sucesso. A propósito deste seu primeiro trabalho de ficção, um livro delicado e sombrio sobre vidas despedaçadas e a fragilidade dos laços que nos unem, estivemos à conversa com o autor sobre o peso do passado, da memória e da família.
Alex Schulman
Sobreviventes é o romance de estreia de Alex Schuman.
 
«Era como se fôssemos miúdos outra vez, a falar com a nossa mãe através daquela carta. E esse foi um dos momentos mais estranhos e poderosos da minha vida. Depois pensei o quanto é dramático encontrarmos uma carta da nossa mãe que já morreu. Às vezes a realidade é melhor do que a ficção.»
Sobreviventes é o seu primeiro romance, mas antes publicou quatro livros autobiográficos. É muito diferente escrever ficção de autobiografia?
Quando escrevemos autobiografias temos de nos cingir à verdade. Há muitas pessoas da nossa família para com quem temos responsabilidades…. Gosto disso, porque gosto de escrever acerca da minha vida, mas, ao criar Sobreviventes, como é ficção, tive mais liberdade. Pude fazer o que quis com as personagens. Mas, ainda assim, o livro é acerca de três irmãos e eu tenho dois irmãos, somos três, e temos uma casa na floresta, tal como em Sobreviventes, por isso há muitas coisas que são inspiradas na minha vida. É dessa forma que escrevo.

Como é que se preparou para escrever o romance? Visitou os locais que o inspiraram?
Sim. Essa casa na floresta que inspirou o romance pertence à minha família, mas passei 15 anos sem lá ir. O meu irmão mais velho toma conta da casa e passa lá os Verões, mas eu fiquei esses anos todos sem lá voltar porque havia demasiadas memórias associadas a ela. Acabei finalmente por regressar há cerca de três anos e senti-me mais na época da minha infância do que no momento presente. Era como se visse todas as diferentes versões de mim próprio em criança, a correr por todo o lado, nos campos, junto ao lago, perto da casa. Esse regresso foi muito emocional. E o que me perguntei foi: O que aconteceu realmente aqui? E esta é a questão que orienta todo o romance. O que aconteceu durante a nossa infância e como podemos superá-lo enquanto adultos.


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Sobreviventes, de Alex Schulman



Além disso, um dia fui almoçar com os meus irmãos e a certa altura perguntei ao mais velho pela namorada e ele respondeu-me que já não estavam juntos. Fiquei surpreso porque já tinham rompido há meio ano e eu não fazia ideia. E essa experiência foi…. Perceber o quanto nos tínhamos afastado, eu e os meus irmãos… Ao longo da infância, nessa casa na floresta, erámos tão próximos e passávamos por tudo juntos, era quase como se fôssemos um só. E à medida que os anos foram passando, isso mudou. Em algumas coisas até nos tornamos estranhos. Senti essa dor e achei que isso talvez fosse o início de um livro. Penso que isso é universal, que muitas outras pessoas sentem o mesmo em relação aos irmãos. Esse sentimento estranho de que já fomos tão próximos e agora estamos tão distantes.







Então voltamos à questão: O que é que aconteceu? E quando? E foi assim que comecei a delinear este livro. Mas tem mais em comum com a realidade do que isso: por exemplo, a primeira parte do livro passa-se num único dia, um dia marcante na vida dos três irmãos: a mãe morreu e eles encontram um envelope no apartamento dela. Isto aconteceu-nos de facto, em 2016, quando a nossa mãe morreu. Foi um dia antes do funeral. Fomos ao apartamento dela e encontramos uma carta vinda “do outro lado”, digamos, porque tinha sido escrita por ela antes de morrer.

Lembro-me de me sentar na cama, com os meus dois irmãos ao meu lado, a lermos a carta da minha mãe, e quando olhei para baixo vi as nossas meias. Era como se fossem três pares de meias de criança, como se fôssemos miúdos outra vez, a falar com a nossa mãe através daquela carta. E esse foi um dos momentos mais estranhos e poderosos da minha vida. Depois pensei o quanto é dramático encontrarmos uma carta da nossa mãe que já morreu. Às vezes a realidade é melhor do que a ficção. Por isso “roubei” esse momento e pu-lo no romance.

Quando regressei à casa na floresta, perto do lago, fui com a minha mulher e os meus filhos, e ficámos lá a dormir. Nessa noite encontrei o baralho de cartas da minha infância e voltei a jogar os jogos com que me divertia quando era pequeno, na mesa da cozinha. Foi estranho, porque estava num ambiente que me trazia tanto a criança que fui… Lembro-me de a certa altura olhar para a minha filha (ela tinha seis anos na época) e de pensar: Porque é que ela olha para mim desta forma? Acha que sou o pai dela? É que me sentia tanto o meu eu-criança… que era estranho estar ali com a minha nova família, sentindo-me outra vez um miúdo.
 
«É que o nosso presente está sempre em movimento, estamos sempre a mudar, de dia para dia, mas o passado… estamos presos ao nosso passado, à família com que crescemos, como se fosse uma prisão. É como se o meu o futuro já tivesse sido predefinido pela infância que tive.»
Quando é que decidiu contar a história de trás para a frente e porquê?
Foi ao ver um episódio da série Seinfeld que é contado dessa forma. De repente pensei que uma das partes do livro poderia ser narrada assim, de trás para a frente, e que isso traria ritmo e suspense à intriga. De certa forma, passa a funcionar um pouco como um policial. Ficamos a saber logo o fim: encontramos três homens, três irmãos, diante de um lago, ensanguentados e todos molhados, mas não sabemos como é que isso aconteceu ou porquê, como foram lá parar.

Todos os seus livros, tanto os quatro autobiográficos como este romance, são centrados na família: pais, filhos, irmãos, a sua mulher.... Porquê?
É que o nosso presente está sempre em movimento, estamos sempre a mudar, de dia para dia, mas o passado… estamos presos ao nosso passado, à família em que crescemos, como se fosse uma prisão. É como se o meu o futuro já tivesse sido predefinido pela infância que tive. Não há nada que possa fazer acerca disso, sou apenas um recipiente para a próxima geração. A ira do pai (ele passava muito tempo zangado) passou para mim e a minha ira provavelmente passará de mim para os meus filhos. E não há nada para além disso. É uma perspetiva muito triste, eu sei, mas acho que há algo de muito profundo nisso.

Lê outros autores enquanto está a escrever os seus livros? Que tipos de leitura faz?
Não, nunca consigo fazer isso, porque de contrário começo a copiar o que estou a ler. Cometi tantos erros a esse nível…. Enquanto estava a escrever o meu último livro reli Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, e quando dei por mim tinha escrito alguns capítulos com elementos de realismo mágico… e não encaixavam no livro que estava a escrever, não faziam qualquer sentido ali. Deixo-me influenciar por outros escritores com muita facilidade, por isso, se ler algo enquanto estou a escrever, é sempre um desastre.

Como é que o confinamento afetou o seu trabalho?
Na realidade não afetou muito, porque já escrevia em casa. Escrevo também para a imprensa e scripts para um podcast, mas é tudo escrita, por isso pude continuar a trabalhar da mesma forma.

Qual foi o último livro de que gostou realmente muito?
O último livro de Karl Ove Knausgård, que é um autor que adoro! Gosto particularmente de todos os livros da série A Minha Luta porque são sobre a família, a infância e a juventude, o passado e todas essas questões que me obsessionam.

E há algum livro que mal possa esperar para ler?
Sim, o próximo romance de Douglas Stuart, o último vencedor do Booker Prize. Gostei muito de Shuggie Bain e estou ansioso por ler o seu próximo livro. Como temos o mesmo editor, vou receber uma cópia antecipada, por isso vou poder lê-lo antes!

É autor de um podcast na Suécia. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
Sim, tenho um podcast semanal com um colega, chama-se Alex & Sigges. É feito por mim e por Sigge Eklund e é o mais popular da Suécia. Cada episódio tem uma duração média de uma hora e falamos um pouco de tudo: livros, filmes, séries de tv, atualidade…. Atualmente os podcasts são muito populares na Suécia e o nosso faz bastante sucesso na Escandinávia em geral.

Quais são as vantagens e desvantagens de escrever um livro quando comparado com um podcast?
Na realidade ambos implicam um trabalho de escrita, porque para os podcasts também tenho de criar um script. Mas enquanto um livro leva meses para ser escrito e depois ainda mais tempo até ser publicado, os podcasts são muito mais imediatos, é tudo muito rápido.

Tornar-se escritor a tempo inteiro faz parte dos seus planos?
Aquilo que mais gosto de fazer é escrever livros. Todas as outras coisas que faço (o podcast, a imprensa), apesar de serem também trabalho de escrita, faço-as para poder ter dinheiro para escrever livros. Por isso, se eventualmente for possível, sim, dedicarei o meu tempo aos livros.

Há algum podcast que recomende?
Uma ótima recomendação é o “The Daily”, um podcast do The New York Times. É da responsabilidade de Michael Barbaro e, em vinte minutos, de segunda a sexta, são abordados temas da atualidade de uma forma muito interessante e bem documentada. Naqueles vinte minutos ficamos a saber tudo o que há para saber sobre o assunto abordado.

E há alguma série de tv que tenha visto no estilo maratona?
Acabei de ver o Gambito de Dama, na Netflix, mas há outra excelente, na HBO: Beartown. É uma série sueca acerca de uma equipa de hóquei, baseada no livro com o mesmo título de Fredrik Backman, que também escreveu o best-seller Um Homem Chamado Ove. Somos muito amigos e ele ajudou-me durante a escrita de Sobreviventes. É um grande escritor e a série Beartown é uma boa adaptação do seu livro.



 
Neste belíssimo vídeo, o autor comenta o regresso à casa de família e a génese de Sobreviventes.
 

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