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Páginas (IV)

de Ruben A.

editor: Assírio & Alvim, julho de 1999
Na colecção "Obras de Ruben A" sai agora o 4º volume de PÁGINAS, obra de reflexões, vivências e impressões várias. As "páginas" deste volume, dedicado aos amigos João Gaspar Simões e Isabel da Nóbrega, que assina o prefácio desta edição, vão das "Páginas Londrinas" (Ruben A. foi Leitor no King's College entre 1947 e 1952) às "Páginas do Sargaço" (Carreço-Afife), onde o autor tinha uma casa virada para o mar. Pelo meio, entre outras, a aventura de uma viagem de Londres ao Sargaço, num velho táxi londrino, que comprara com o amigo Ruy Leitão, de que se transcreve em baixo a parte final, com a chegada ao Sargaço. O humor fino e uma prosa moderna fazem de Ruben A, (ficcionista, dramaturgo, historiador, com uma obra repartida por dezenas de volumes, do romance ao ensaio, passando pela autobiografia, conto e novela) um caso ímpar na literatura portuguesa.

Dia final. De Pontevedra à fronteira é um salto de avestruz e Lord Snob - Duque de Taxi-Cab, queixando-se já dos intestinos (aquele azeite em Espanha)! Traqueava-se amiudamente dando morteiros castiços numa atmosfera cáustica - quase já não podia andar, estava atingido pela gota ancestral. Muitos Invernos londrinos e muita borracheira pouco comunicativa. Que alegria ver Portugal! Não é ver a pátria a querida a linda a louca e tola - é sentir que se entra por dentro daquilo que é nosso onde se fala a nossa língua e onde se viveu um bom par de anos. Comecei a ficar um pouco confuso ao ponto de tocar numa arrepiação saudosa. Aqui, perto, todo o Alto Minho e ir entrar directamente em minha casa - no Sargaço - vindo de Londres, é de certa classe. - Aparece no momento uma alegria de ver nascer as coisas e tudo sabe como se a natureza estivesse aninhada antes do nosso passar - crescem as árvores aparecem chapéus nos homens e um comboio voa em direcção às nuvens. E eu a divagar nesta alegria divina quando numa das curvas da estrada dois guardas-fiscais de espingarda em punho mandaram alto. - Travei Lord Snob como pude (ele não compreende estas intervenções consecutivas de autoridade) e parei mesmo grogue ao pé dos dois fiscais fardados de um cotim modesto e tendo uma beata sonolenta ao pé da boca. Então o mais decidido e de bigodes avançou para mim e disse: queremos ver as malas -, eu respondi calmamente que nos tinham inspeccionado as malas há pouco mais de 10 minutos. - Então os cavalheiros atravessaram a fronteira? Que fronteira? - Eu não sei, parece-me que aqui só há uma - foi pela fronteira de Valença. - Os senhores são estrangeiros, não são? - Somos, sim senhor - respondi eu sem hesitar. Então fazem favor de seguir - no entanto garantem-nos que esta viatura não é carro do exército nem de combate. Não senhor, tem a minha palavra que este carro não pertence ao exército ou à marinha. - Podem seguir. - Muito obrigado senhor guarda. No entanto para tornar o acontecimento como oficializado, o outro guarda escrevia num canhenho besuntado o número de matrícula do nosso carro. AXL-478-GB. Agora são lugares conhecidos: Vila Nova de Cerveira, São Bento de Seixas, Caminha, Moledo, Âncora e Lord Snob quase atingido por síncopes lá vai andando na dificuldade do seu tubo de escape. Alto! Daqui para lá a terra é minha - do cimo da Gelfa até ao farol de Montedor estende-se aquela visão espantada de amor e tranquilidade. Lá ao fundo está o sargaço, sonho, tempo de poesia e pôr-do-sol, realidade abstracta à custa de muitos sacrifícios domésticos. Coisa grande que medíocres não percebem. Proibidos todos os Vossas Excelências, multa de cem colarinhos peganhentos aos transgressores. Afife já está no papo e mais dois quilómetros andados para aparecer a beleza da sereia dando voos e saltos numa harmonia perpétua. Tudo é presente de agora. Sargaço é mais do que sonho - aparece como vislumbre perfeito de uma ideia transportada ao mundo da fantasia. - O nosso Marquês ficou tão entusiasmado que avançou pelo mato em doida correria até se sentir encostado à casa. Ficou de capota aberta a dessuar-se Estava louco por ter terminado esta viagem ao longo de tanta paisagem e tanta costa numa procura contínua ao sustentáculo da maior realidade para sonhar. Houve uma chegada quase simbólica - a Cidalina julgava que vínhamos num carro do outro mundo e que os tacos de golfe eram metralhadoras. Depois de acalmada pelas nossas palavras de paz e conforto foi preparar os pastelinhos de bacalhau enquanto nós fomos a correr por ali abaixo até à praia. Precisávamos de nos abençoar na água viril desta costa. Que bonito tudo isto! É dos lugares mais íntimos ao pé do céu e só posso dar graças a Deus de ter aqui chegado e pedir sempre ao São Cristóvão que me leve a bom destino. Almoço alárvico. Horas depois um começo de pôr-do-sol que espantava os mais calmos numa transição para quarto crescente de Vénus à espreita para nos constelar-mos em céu límpido. Ah! Queria muitos destes dias de totalidade para satisfazer os meus sentidos. Afinal… viajar de táxi de Londres ao Sargaço é uma coisa dentro dos limites permitidos às forças humanas. Tem classe, mesmo que os rafeiros ladrem na sua alacridade acéfala.

Dia final. De Pontevedra à fronteira é um salto de avestruz e Lord Snob - Duque de Taxi-Cab, queixando-se já dos intestinos (aquele azeite em Espanha)! Traqueava-se amiudamente dando morteiros castiços numa atmosfera cáustica - quase já não podia andar, estava atingido pela gota ancestral. Muitos Invernos londrinos e muita borracheira pouco comunicativa. Que alegria ver Portugal! Não é ver a pátria a querida a linda a louca e tola - é sentir que se entra por dentro daquilo que é nosso onde se fala a nossa língua e onde se viveu um bom par de anos. Comecei a ficar um pouco confuso ao ponto de tocar numa arrepiação saudosa. Aqui, perto, todo o Alto Minho e ir entrar directamente em minha casa - no Sargaço - vindo de Londres, é de certa classe. - Aparece no momento uma alegria de ver nascer as coisas e tudo sabe como se a natureza estivesse aninhada antes do nosso passar - crescem as árvores aparecem chapéus nos homens e um comboio voa em direcção às nuvens. E eu a divagar nesta alegria divina quando numa das curvas da estrada dois guardas-fiscais de espingarda em punho mandaram alto. - Travei Lord Snob como pude (ele não compreende estas intervenções consecutivas de autoridade) e parei mesmo grogue ao pé dos dois fiscais fardados de um cotim modesto e tendo uma beata sonolenta ao pé da boca. Então o mais decidido e de bigodes avançou para mim e disse: queremos ver as malas -, eu respondi calmamente que nos tinham inspeccionado as malas há pouco mais de 10 minutos. - Então os cavalheiros atravessaram a fronteira? Que fronteira? - Eu não sei, parece-me que aqui só há uma - foi pela fronteira de Valença. - Os senhores são estrangeiros, não são? - Somos, sim senhor - respondi eu sem hesitar. Então fazem favor de seguir - no entanto garantem-nos que esta viatura não é carro do exército nem de combate. Não senhor, tem a minha palavra que este carro não pertence ao exército ou à marinha. - Podem seguir. - Muito obrigado senhor guarda. No entanto para tornar o acontecimento como oficializado, o outro guarda escrevia num canhenho besuntado o número de matrícula do nosso carro. AXL-478-GB. Agora são lugares conhecidos: Vila Nova de Cerveira, São Bento de Seixas, Caminha, Moledo, Âncora e Lord Snob quase atingido por síncopes lá vai andando na dificuldade do seu tubo de escape. Alto! Daqui para lá a terra é minha - do cimo da Gelfa até ao farol de Montedor estende-se aquela visão espantada de amor e tranquilidade. Lá ao fundo está o sargaço, sonho, tempo de poesia e pôr-do-sol, realidade abstracta à custa de muitos sacrifícios domésticos. Coisa grande que medíocres não percebem. Proibidos todos os Vossas Excelências, multa de cem colarinhos peganhentos aos transgressores. Afife já está no papo e mais dois quilómetros andados para aparecer a beleza da sereia dando voos e saltos numa harmonia perpétua. Tudo é presente de agora. Sargaço é mais do que sonho - aparece como vislumbre perfeito de uma ideia transportada ao mundo da fantasia. - O nosso Marquês ficou tão entusiasmado que avançou pelo mato em doida correria até se sentir encostado à casa. Ficou de capota aberta a dessuar-se Estava louco por ter terminado esta viagem ao longo de tanta paisagem e tanta costa numa procura contínua ao sustentáculo da maior realidade para sonhar. Houve uma chegada quase simbólica - a Cidalina julgava que vínhamos num carro do outro mundo e que os tacos de golfe eram metralhadoras. Depois de acalmada pelas nossas palavras de paz e conforto foi preparar os pastelinhos de bacalhau enquanto nós fomos a correr por ali abaixo até à praia. Precisávamos de nos abençoar na água viril desta costa. Que bonito tudo isto! É dos lugares mais íntimos ao pé do céu e só posso dar graças a Deus de ter aqui chegado e pedir sempre ao São Cristóvão que me leve a bom destino. Almoço alárvico. Horas depois um começo de pôr-do-sol que espantava os mais calmos numa transição para quarto crescente de Vénus à espreita para nos constelar-mos em céu límpido. Ah! Queria muitos destes dias de totalidade para satisfazer os meus sentidos. Afinal… viajar de táxi de Londres ao Sargaço é uma coisa dentro dos limites permitidos às forças humanas. Tem classe, mesmo que os rafeiros ladrem na sua alacridade acéfala.

Páginas (IV)

de Ruben A.

Propriedade Descrição
ISBN: 978-972-37-0528-7
Editor: Assírio & Alvim
Data de Lançamento: julho de 1999
Idioma: Português
Dimensões: 136 x 212 x 18 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 208
Tipo de produto: Livro
Coleção: Obras de Ruben A.
Classificação temática: Livros em Português > Literatura > Memórias e Testemunhos
EAN: 9789723705287
Idade Mínima Recomendada: Não aplicável
Ruben A.

Ruben Alfredo Andresen Leitão nasceu a 26 de maio de 1920, em Lisboa. Formado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, foi docente na área da Língua e Cultura Portuguesas na Universidade de Londres entre 1947 e 1952. Estreou-se em 1949 com Páginas, misto de diário e ficção, um texto que sairia ao longo dos anos seguintes, em seis volumes. Destacam-se ainda, na novelística, os romances Caranguejo (1954), narrativamente escrito de trás para a frente, sem numeração de página, e A Torre da Barbela (1964), onde o autor funde a ficção biográfica e a ficção histórica. A segunda metade da década de 60 será marcada pela publicação dos três volumes autobiográficos O Mundo à Minha Procura. A sua escrita distingue-se pelo recurso a inteligentíssimos jogos de linguagem, desconstrução dos eixos narrativos tradicionais, subversão cronológica dos eventos passados e, claro, pela crítica irónica a uma certa forma de ser português. Alguns meses antes da sua morte, foi convidado a dar aulas na Universidade de Oxford. Morreu em Londres, a 26 de setembro de 1975.
No ano do centenário do seu nascimento, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o, a título póstumo, com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

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O Mundo à Minha Procura

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