Páginas (IV)
de Ruben A.
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Dia final. De Pontevedra à fronteira é um salto de avestruz e Lord Snob - Duque de Taxi-Cab, queixando-se já dos intestinos (aquele azeite em Espanha)! Traqueava-se amiudamente dando morteiros castiços numa atmosfera cáustica - quase já não podia andar, estava atingido pela gota ancestral. Muitos Invernos londrinos e muita borracheira pouco comunicativa. Que alegria ver Portugal! Não é ver a pátria a querida a linda a louca e tola - é sentir que se entra por dentro daquilo que é nosso onde se fala a nossa língua e onde se viveu um bom par de anos. Comecei a ficar um pouco confuso ao ponto de tocar numa arrepiação saudosa. Aqui, perto, todo o Alto Minho e ir entrar directamente em minha casa - no Sargaço - vindo de Londres, é de certa classe. - Aparece no momento uma alegria de ver nascer as coisas e tudo sabe como se a natureza estivesse aninhada antes do nosso passar - crescem as árvores aparecem chapéus nos homens e um comboio voa em direcção às nuvens. E eu a divagar nesta alegria divina quando numa das curvas da estrada dois guardas-fiscais de espingarda em punho mandaram alto. - Travei Lord Snob como pude (ele não compreende estas intervenções consecutivas de autoridade) e parei mesmo grogue ao pé dos dois fiscais fardados de um cotim modesto e tendo uma beata sonolenta ao pé da boca. Então o mais decidido e de bigodes avançou para mim e disse: queremos ver as malas -, eu respondi calmamente que nos tinham inspeccionado as malas há pouco mais de 10 minutos. - Então os cavalheiros atravessaram a fronteira? Que fronteira? - Eu não sei, parece-me que aqui só há uma - foi pela fronteira de Valença. - Os senhores são estrangeiros, não são? - Somos, sim senhor - respondi eu sem hesitar. Então fazem favor de seguir - no entanto garantem-nos que esta viatura não é carro do exército nem de combate. Não senhor, tem a minha palavra que este carro não pertence ao exército ou à marinha. - Podem seguir. - Muito obrigado senhor guarda. No entanto para tornar o acontecimento como oficializado, o outro guarda escrevia num canhenho besuntado o número de matrícula do nosso carro. AXL-478-GB. Agora são lugares conhecidos: Vila Nova de Cerveira, São Bento de Seixas, Caminha, Moledo, Âncora e Lord Snob quase atingido por síncopes lá vai andando na dificuldade do seu tubo de escape. Alto! Daqui para lá a terra é minha - do cimo da Gelfa até ao farol de Montedor estende-se aquela visão espantada de amor e tranquilidade. Lá ao fundo está o sargaço, sonho, tempo de poesia e pôr-do-sol, realidade abstracta à custa de muitos sacrifícios domésticos. Coisa grande que medíocres não percebem. Proibidos todos os Vossas Excelências, multa de cem colarinhos peganhentos aos transgressores. Afife já está no papo e mais dois quilómetros andados para aparecer a beleza da sereia dando voos e saltos numa harmonia perpétua. Tudo é presente de agora. Sargaço é mais do que sonho - aparece como vislumbre perfeito de uma ideia transportada ao mundo da fantasia. - O nosso Marquês ficou tão entusiasmado que avançou pelo mato em doida correria até se sentir encostado à casa. Ficou de capota aberta a dessuar-se Estava louco por ter terminado esta viagem ao longo de tanta paisagem e tanta costa numa procura contínua ao sustentáculo da maior realidade para sonhar. Houve uma chegada quase simbólica - a Cidalina julgava que vínhamos num carro do outro mundo e que os tacos de golfe eram metralhadoras. Depois de acalmada pelas nossas palavras de paz e conforto foi preparar os pastelinhos de bacalhau enquanto nós fomos a correr por ali abaixo até à praia. Precisávamos de nos abençoar na água viril desta costa. Que bonito tudo isto! É dos lugares mais íntimos ao pé do céu e só posso dar graças a Deus de ter aqui chegado e pedir sempre ao São Cristóvão que me leve a bom destino. Almoço alárvico. Horas depois um começo de pôr-do-sol que espantava os mais calmos numa transição para quarto crescente de Vénus à espreita para nos constelar-mos em céu límpido. Ah! Queria muitos destes dias de totalidade para satisfazer os meus sentidos. Afinal… viajar de táxi de Londres ao Sargaço é uma coisa dentro dos limites permitidos às forças humanas. Tem classe, mesmo que os rafeiros ladrem na sua alacridade acéfala.
Dia final. De Pontevedra à fronteira é um salto de avestruz e Lord Snob - Duque de Taxi-Cab, queixando-se já dos intestinos (aquele azeite em Espanha)! Traqueava-se amiudamente dando morteiros castiços numa atmosfera cáustica - quase já não podia andar, estava atingido pela gota ancestral. Muitos Invernos londrinos e muita borracheira pouco comunicativa. Que alegria ver Portugal! Não é ver a pátria a querida a linda a louca e tola - é sentir que se entra por dentro daquilo que é nosso onde se fala a nossa língua e onde se viveu um bom par de anos. Comecei a ficar um pouco confuso ao ponto de tocar numa arrepiação saudosa. Aqui, perto, todo o Alto Minho e ir entrar directamente em minha casa - no Sargaço - vindo de Londres, é de certa classe. - Aparece no momento uma alegria de ver nascer as coisas e tudo sabe como se a natureza estivesse aninhada antes do nosso passar - crescem as árvores aparecem chapéus nos homens e um comboio voa em direcção às nuvens. E eu a divagar nesta alegria divina quando numa das curvas da estrada dois guardas-fiscais de espingarda em punho mandaram alto. - Travei Lord Snob como pude (ele não compreende estas intervenções consecutivas de autoridade) e parei mesmo grogue ao pé dos dois fiscais fardados de um cotim modesto e tendo uma beata sonolenta ao pé da boca. Então o mais decidido e de bigodes avançou para mim e disse: queremos ver as malas -, eu respondi calmamente que nos tinham inspeccionado as malas há pouco mais de 10 minutos. - Então os cavalheiros atravessaram a fronteira? Que fronteira? - Eu não sei, parece-me que aqui só há uma - foi pela fronteira de Valença. - Os senhores são estrangeiros, não são? - Somos, sim senhor - respondi eu sem hesitar. Então fazem favor de seguir - no entanto garantem-nos que esta viatura não é carro do exército nem de combate. Não senhor, tem a minha palavra que este carro não pertence ao exército ou à marinha. - Podem seguir. - Muito obrigado senhor guarda. No entanto para tornar o acontecimento como oficializado, o outro guarda escrevia num canhenho besuntado o número de matrícula do nosso carro. AXL-478-GB. Agora são lugares conhecidos: Vila Nova de Cerveira, São Bento de Seixas, Caminha, Moledo, Âncora e Lord Snob quase atingido por síncopes lá vai andando na dificuldade do seu tubo de escape. Alto! Daqui para lá a terra é minha - do cimo da Gelfa até ao farol de Montedor estende-se aquela visão espantada de amor e tranquilidade. Lá ao fundo está o sargaço, sonho, tempo de poesia e pôr-do-sol, realidade abstracta à custa de muitos sacrifícios domésticos. Coisa grande que medíocres não percebem. Proibidos todos os Vossas Excelências, multa de cem colarinhos peganhentos aos transgressores. Afife já está no papo e mais dois quilómetros andados para aparecer a beleza da sereia dando voos e saltos numa harmonia perpétua. Tudo é presente de agora. Sargaço é mais do que sonho - aparece como vislumbre perfeito de uma ideia transportada ao mundo da fantasia. - O nosso Marquês ficou tão entusiasmado que avançou pelo mato em doida correria até se sentir encostado à casa. Ficou de capota aberta a dessuar-se Estava louco por ter terminado esta viagem ao longo de tanta paisagem e tanta costa numa procura contínua ao sustentáculo da maior realidade para sonhar. Houve uma chegada quase simbólica - a Cidalina julgava que vínhamos num carro do outro mundo e que os tacos de golfe eram metralhadoras. Depois de acalmada pelas nossas palavras de paz e conforto foi preparar os pastelinhos de bacalhau enquanto nós fomos a correr por ali abaixo até à praia. Precisávamos de nos abençoar na água viril desta costa. Que bonito tudo isto! É dos lugares mais íntimos ao pé do céu e só posso dar graças a Deus de ter aqui chegado e pedir sempre ao São Cristóvão que me leve a bom destino. Almoço alárvico. Horas depois um começo de pôr-do-sol que espantava os mais calmos numa transição para quarto crescente de Vénus à espreita para nos constelar-mos em céu límpido. Ah! Queria muitos destes dias de totalidade para satisfazer os meus sentidos. Afinal… viajar de táxi de Londres ao Sargaço é uma coisa dentro dos limites permitidos às forças humanas. Tem classe, mesmo que os rafeiros ladrem na sua alacridade acéfala.
Propriedade | Descrição |
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ISBN: | 978-972-37-0528-7 |
Editor: | Assírio & Alvim |
Data de Lançamento: | julho de 1999 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 136 x 212 x 18 mm |
Encadernação: | Capa mole |
Páginas: | 208 |
Tipo de produto: | Livro |
Coleção: | Obras de Ruben A. |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Memórias e Testemunhos |
EAN: | 9789723705287 |
Idade Mínima Recomendada: | Não aplicável |