Obras Completas de Nicolau Tolentino de Almeida

"uma impressionante expressão poética que faz de Tolentino um autor à parte e paradoxalmente independente, que sabia aliar a precisão verbal dos grandes clássicos à graça e subtileza dum estilo genuíno capaz de traçar perfeitos quadros de costumes."

"São muitos os portugueses que conhecem o nome do poeta satírico Nicolau Tolentino de Almeida. Ainda hoje são muitos os que aprenderam os seus sonetos mais conhecidos sobre os toucados altos das senhoras ou o cavalo lazarento. Mas em geral não passa daí. (…) Tornava-se então necessária uma edição moderna e científica que tomasse em linha de conta os numerosos manuscritos das suas poesias que corriam no final do século XVIII e nos alvores do século XIX, testemunhando assim da fama gozada pelo poeta no seu tempo. (…) E esses escritos revelam uma impressionante expressão poética que faz de Tolentino um autor à parte e paradoxalmente independente, que sabia aliar a precisão verbal dos grandes clássicos à graça e subtileza dum estilo genuíno capaz de traçar perfeitos quadros de costumes. São-nos assim revelados, quase que por magia, os tipos e a vida da sociedade lisboeta frágil e decadente dos últimos anos do Antigo Regime dum Portugal que parece reter o fôlego antes de penetrar na modernidade."

A carnal tentação desenfreada,
Que ao sangue quente alta justiça pede,
Fez com que eu, embrulhando-me na rede,
Subisse de uma puta a infame escada.

Ligeiras pulgas saltam de emboscada
Fartando em mim de sangue humano a sede;
Arde a vela pregada na parede,
Já de antigos morrões afogueada.

Sai da alcova a desgrenhada fúria
Respirando venal sensualidade,
Vil desalinho, sórdida penúria.

Muito pode a pobreza, e a porquidade!
Abati as bandeiras à luxúria,
Jurei no altar de Vénus castidade.