O secreto murmúrio dos personagens

"(...) Dininho nascera na Casa do Meio, um pequeno solar rural, de grande simplicidade arquitectónica, com duas alas de piso térreo e andar unidas, ao fundo, por uma passagem superior. O todo formava um conjunto em "u", fechado à entrada por um portão com coberto de telha, debaixo do qual as filhas da casa recebiam os conversados nos domingos à tarde. O espaço interior era um pequeno mundo cheio de ordem onde viviam os animais e se armazenavam as colheitas, toda uma criação alegre sujeita aos humanos que ocupavam o andar de cima. Uma das alas terminava numa capela com porta para o povo e encimada por um modesto campanário. Nessa casa se viveu longos anos, com a prosperidade relativa daqueles tempos em que os bens eram todos tirados da terra. Do chão úbere saía o linho do bragal e do vestuário, dos animais se tirava a lã, dos campos se colhia o pão e o vinho.
A Casa do Meio fora construída às ordens de um clérigo, há três ou quatro gerações, o qual a tinha legado aos seus descendentes. Corria de boca em boca a história desse homem mais dado ao incremento dos bens da terra do que aos sacramentos da religião. Mas não havia censura na língua do povo. Todos sabiam de ciência partilhada que as coisas são como são e, desse modo, arrumavam muitos assuntos e dirimiam muitos agravos. Dele se contava que, decorrendo o seu funeral e sendo o seu cadáver transportado por quatro homens possantes, no momento de deixar de vez o limite dos seus campos, o caixão se fez pesado como chumbo, de maneira que não podiam continuar a marcha.
- Vamos lá padre José! - Foi necessária a intervenção do sacerdote que acompanhava a cerimónia para evitar esse apego ao chão mesmo por parte de quem já tinha passado o limiar da morte. (...) "