Morte Água
"Mentimos sempre sobre o tempo passado. Aqui, junto ao rio, bebo numa esplanada uma água fria e contemplo as aves. É falso. Mal chego a olhá-las, elas chegam e partem meticulosas, luxuosas, e a ilusão da imobilidade, a brisa leve, a luz que me humedece os olhos deixam-me a convicção de que as vi. Elas estiveram ali, decerto ainda estão.
Se eu disser ‘esse, que tomas as palavras, ou que é tomado por elas, não sou eu’, estou a afirmar um facto de fácil demonstração.
Tenho desses dias distantes uma impressão que resiste, que é um vinco. Não posso chamar-lhe decepção. Talvez enfado, o enfado estranhamente mesclado à furtiva culpa da sua persistência, da sua duração. Agora vou beber água e bebo.
Lembro sol e pó. Foi num Junho inclemente que realizei a maior parte da investigação. Estou sentado num pequeno muro a desmoronar-se, tirei uma laranja da árvore a que me acolhi e espero impaciente que me abram mais uma porta, depois de ter percorrido os antigos caminhos.
Lembro as cigarras.
Demorarão a abrir-me a porta. Uns olhos brilham no interior de sombra, mas é-me impossível saber a quem pertenciam. Talvez fossem de uma mulher. Uma mulher precocemente envelhecida?"
"Mentimos sempre sobre o tempo passado. Aqui, junto ao rio, bebo numa esplanada uma água fria e contemplo as aves. É falso. Mal chego a olhá-las, elas chegam e partem meticulosas, luxuosas, e a ilusão da imobilidade, a brisa leve, a luz que me humedece os olhos deixam-me a convicção de que as vi. Elas estiveram ali, decerto ainda estão.
Se eu disser ‘esse, que tomas as palavras, ou que é tomado por elas, não sou eu’, estou a afirmar um facto de fácil demonstração.
Tenho desses dias distantes uma impressão que resiste, que é um vinco. Não posso chamar-lhe decepção. Talvez enfado, o enfado estranhamente mesclado à furtiva culpa da sua persistência, da sua duração. Agora vou beber água e bebo.
Lembro sol e pó. Foi num Junho inclemente que realizei a maior parte da investigação. Estou sentado num pequeno muro a desmoronar-se, tirei uma laranja da árvore a que me acolhi e espero impaciente que me abram mais uma porta, depois de ter percorrido os antigos caminhos.
Lembro as cigarras.
Demorarão a abrir-me a porta. Uns olhos brilham no interior de sombra, mas é-me impossível saber a quem pertenciam. Talvez fossem de uma mulher. Uma mulher precocemente envelhecida?"
Propriedade | Descrição |
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ISBN: | 5600001134190 |
Editor: | Campo das Letras |
Data de Lançamento: | abril de 1999 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 150 x 207 mm |
Páginas: | 84 |
Tipo de produto: | Livro |
Coleção: | Instantes de Leitura |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Romance |
EAN: | 5600001134190 |
Idade Mínima Recomendada: | Não aplicável |