Farewell

"Nos "momentos acerbos" que se acentuaram com a doença da sua filha e com a sua natural decadência física, Drummond não deixou de reconhecer que "o corpo não é feito só para sofrer, / mas para sofrer e gozar", nem perdeu o seu tão típico humor desencantado, o seu amor disfarçado ou recatado, o seu empenho indagador.
Veja-se o modo como ele enfrenta o "enigma chamado Fernando Pessoa" ou se dissolve num "enigma de formas permutantes".
Vejam-se os vários versos ou poemas interrogativos como o "Auto-retrato": "Sou eu ou não sou eu? / Sou eu ou sou você? / Sou eu ou sou ninguém, / e ninguém me retrata?"
E em meia dúzia de poemas sublimes ("Desligamento", "Os 27 filmes de Greta Garbo", "Sono limpo", "O rei menino", "O segundo, que me vigia"...), que passam a enfileirar entre os clássicos "Poema de sete faces", "Quadrilha", "No meio do caminho", "José", "A flor e a náusea", "Caso do vestido", "Exorcismo", etc.), ou tão só em paradoxos ("o mais triste / é não ter tristeza alguma"), neologismos ("gregoriando", "Papelópolis"), fórmulas ou imagens surpreendentes ("unindo algures de ontem a nenhures de eternidade", esta lenta vírgula rastejante / no chão nocturno da existência"), achados expressivos ("Implacável ponteiro dos segundos. / Não, não quero este decassílabo"), em tudo isso se torna bem patente o fulgor criativo de Drummond, que sobreviverá por muitos e muitos anos ao seu criador. Arnaldo Saraiva, "A imperecível alegria da criação", sobre este último livro de Drummond de Andrade." ("Jornal de Letras" - 9/10/96)