As Calças de Pitágoras

Deus, a Física e a Guerra dos Sexos

de Margaret Wertheim

editor: Via Optima, abril de 2004
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"A física é a Igreja Católica da ciência".

Por que razão há tantos livros sobre física com a palavra "Deus" no título? Contestando a ideia comum de que a religião e a ciência são velhos inimigos, a historiadora australiana Margaret Wertheim argumenta em As Calças de Pitágoras que a física moderna, mau grado a sua aparente objectividade, sempre foi de facto uma actividade de inspiração religiosa - uma ciência baseada na concepção de Deus como Criador matemático divino.
Procedendo a uma revisão feminista da história da física no Ocidente - da sua incepção nos números transcendentes de Pitágoras à actual obsessão dos seus praticantes com as "Teorias de Tudo" -, Wertheim mostra como esta disciplina que transformou o mundo tem sido até hoje um feudo de homens professando variantes de fé no monoteísmo cristão, os quais criaram em redor da física uma cultura patriarcal que ao longo dos séculos impediu as mulheres de participarem no desenvolvimento científico.
Sendo a física finalmente responsável pela visão que temos do universo e do lugar que ocupamos nele, é urgente, defende Margaret Wertheim em As Calças de Pitágoras, que o Homem Matemático abdique de um dos derradeiros redutos da misoginia na sociedade ocidental e abrace a parceria da Mulher Matemática.

O eixo central do misticismo pitagórico - matemática, masculinidade e transcendência psíquica - teve também um impacto profundo na cultura da física ocidental. Porque a matemática era encarada como o estudo do reino transcendente dos deuses, assim a demanda das relações matemáticas no mundo físico veio também a ser encarada como uma actividade transcendente - uma demanda daquela parte da natureza que era eterna, imutável e incorruptível. Uma demanda de alguma parte da natureza que estava, de facto, para além da natureza.
(...)
O destino de Maria Winkelmann é simbólico do destino colectivo das mulheres na astronomia. Apesar da sua falta de acesso à educação superior, as mulheres rapidamente encontraram maneiras de participar na nova ciência, mas, à medida que o campo se institucionalizava, viam-se barradas das posições oficiais e de participação formal na comunidade. Desde que as mulheres astrónomas ficassem em casa, ajudando os parentes masculinos, a sua presença era tolerada, e mesmo bem-vinda - pois podiam ser usadas para executar o trabalho de cálculo, meticuloso mas rotineiro, que é essencial para grande parte da astronomia.
(...)
À semelhança dos mecanistas franceses mais cedo no século, os novos líderes da ciência inglesa estavam ansiosos por se distanciar de tudo quanto pudesse ser interpretado como herético - incluindo as mulheres. Walter Charleton, outro membro fundador da Royal Society, resumiu muita da antipatia que os seus colegas sentiam pelas mulheres quando escreveu, "vós sois as verdadeiras Hienas, que nos fascinais com a alvura das vossas peles (...) vós sois os traidores à sabedoria: o impedimento à indústria (...) as obstruções à virtude, e os engodos que nos levam a todos ao Vício, à Impiedade e à ruína".
(...)
Bem como colocar a sua ciência ao serviço da teologia, Newton permitiu que a sua teologia influenciasse a sua ciência. Mais importante, argumentou que o espaço deve ser absoluto pois era sinónimo da presença de um Deus absoluto. Para ele, o espaço (e o tempo) absolutos tornaram-se axiomas metafísicos. Esta concepção teologicamente inspirada do espaço (e do tempo) tornar-se-ia rapidamente um dos pilares da física moderna, e muito depois dos físicos terem deixado de associar o espaço a Deus, eles retiveram uma insistência newtoniana num referencial absoluto para a realidade.
(...)
O reacender por Einstein de uma atitude semi-religiosa para com a física teve também profundas consequências para as mulheres. Exactamente quando as mulheres estavam finalmente a irromper nas ciências, esta atitude conferiu renovado vigor à velha crença do cientista matemático como uma espécie de sumo-sacerdote. Esse ponto de vista, sugiro, tem continuado a militar contra o avanço das mulheres nesse campo ao longo de todo o século XX, pois a física mantém-se a ciência natural em que a participação das mulheres é de longe mais baixa.
(...)
Ironicamente, foi o próprio Hawking quem sugeriu que a sua cosmologia relativista-quântica podia obviar a necessidade de um Criador. Mas ele parece querer ganhar de ambas as maneiras - ao mesmo tempo empurrando Deus completamente para fora do universo e invocando-o enquanto subtexto constante da sua obra. A partir de Uma Breve História do Tempo, não é de todo claro se Hawking acredita genuinamente num deus, ou está apenas a entregar-se a um auto-engrandecimento. Ao contrário de Copérnico, Kepler e Newton (e mesmo de Einstein, à sua maneira), Hawking não é um pensador teológico sério - pelo menos não o é na sua obra publicada. Todavia, quaisquer que sejam os verdadeiros sentimentos de Hawking sobre Deus, muitas pessoas vieram a vê-lo como um sumo-sacerdote científico, o herdeiro do manto de Einstein.
(...)
Os filósofos da ciência indicaram que a hierarquia de fundamentalidade subscrita pelos físicos não está inscrita na natureza, sendo antes uma construção social. Embora os físicos garantam amiúde que a sua ciência descobre conhecimento puramente objectivo do mundo, a noção de objectividade pura é um mito. A ciência é feita por pessoas subjectivas, não por uma entidade objectiva, e todas as pessoas funcionam num milieu cultural que colore de forma inelutável o seu pensamento. Simplesmente não existe tal coisa como ciência culturalmente neutra.
(...)
Desejo argumentar, porém, que as relações matemáticas que descobrimos na natureza não estão para lá da natureza, sendo apenas outra faceta da natureza. Ao invés de terem uma existência separada à parte da natureza ou antedatando-a, estas relações, acredito, devem ser encaradas como qualquer outra descoberta científica. Quando, por exemplo, os biólogos descobrem o processo através do qual um óvulo fertilizado se torna uma criança, não concluimos que o plano de uma criança humana existia na mente de Deus antes da criação do universo.
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O eixo central do misticismo pitagórico - matemática, masculinidade e transcendência psíquica - teve também um impacto profundo na cultura da física ocidental. Porque a matemática era encarada como o estudo do reino transcendente dos deuses, assim a demanda das relações matemáticas no mundo físico veio também a ser encarada como uma actividade transcendente - uma demanda daquela parte da natureza que era eterna, imutável e incorruptível. Uma demanda de alguma parte da natureza que estava, de facto, para além da natureza.
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O destino de Maria Winkelmann é simbólico do destino colectivo das mulheres na astronomia. Apesar da sua falta de acesso à educação superior, as mulheres rapidamente encontraram maneiras de participar na nova ciência, mas, à medida que o campo se institucionalizava, viam-se barradas das posições oficiais e de participação formal na comunidade. Desde que as mulheres astrónomas ficassem em casa, ajudando os parentes masculinos, a sua presença era tolerada, e mesmo bem-vinda - pois podiam ser usadas para executar o trabalho de cálculo, meticuloso mas rotineiro, que é essencial para grande parte da astronomia.
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À semelhança dos mecanistas franceses mais cedo no século, os novos líderes da ciência inglesa estavam ansiosos por se distanciar de tudo quanto pudesse ser interpretado como herético - incluindo as mulheres. Walter Charleton, outro membro fundador da Royal Society, resumiu muita da antipatia que os seus colegas sentiam pelas mulheres quando escreveu, "vós sois as verdadeiras Hienas, que nos fascinais com a alvura das vossas peles (...) vós sois os traidores à sabedoria: o impedimento à indústria (...) as obstruções à virtude, e os engodos que nos levam a todos ao Vício, à Impiedade e à ruína".
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Bem como colocar a sua ciência ao serviço da teologia, Newton permitiu que a sua teologia influenciasse a sua ciência. Mais importante, argumentou que o espaço deve ser absoluto pois era sinónimo da presença de um Deus absoluto. Para ele, o espaço (e o tempo) absolutos tornaram-se axiomas metafísicos. Esta concepção teologicamente inspirada do espaço (e do tempo) tornar-se-ia rapidamente um dos pilares da física moderna, e muito depois dos físicos terem deixado de associar o espaço a Deus, eles retiveram uma insistência newtoniana num referencial absoluto para a realidade.
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O reacender por Einstein de uma atitude semi-religiosa para com a física teve também profundas consequências para as mulheres. Exactamente quando as mulheres estavam finalmente a irromper nas ciências, esta atitude conferiu renovado vigor à velha crença do cientista matemático como uma espécie de sumo-sacerdote. Esse ponto de vista, sugiro, tem continuado a militar contra o avanço das mulheres nesse campo ao longo de todo o século XX, pois a física mantém-se a ciência natural em que a participação das mulheres é de longe mais baixa.
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Ironicamente, foi o próprio Hawking quem sugeriu que a sua cosmologia relativista-quântica podia obviar a necessidade de um Criador. Mas ele parece querer ganhar de ambas as maneiras - ao mesmo tempo empurrando Deus completamente para fora do universo e invocando-o enquanto subtexto constante da sua obra. A partir de Uma Breve História do Tempo, não é de todo claro se Hawking acredita genuinamente num deus, ou está apenas a entregar-se a um auto-engrandecimento. Ao contrário de Copérnico, Kepler e Newton (e mesmo de Einstein, à sua maneira), Hawking não é um pensador teológico sério - pelo menos não o é na sua obra publicada. Todavia, quaisquer que sejam os verdadeiros sentimentos de Hawking sobre Deus, muitas pessoas vieram a vê-lo como um sumo-sacerdote científico, o herdeiro do manto de Einstein.
(...)
Os filósofos da ciência indicaram que a hierarquia de fundamentalidade subscrita pelos físicos não está inscrita na natureza, sendo antes uma construção social. Embora os físicos garantam amiúde que a sua ciência descobre conhecimento puramente objectivo do mundo, a noção de objectividade pura é um mito. A ciência é feita por pessoas subjectivas, não por uma entidade objectiva, e todas as pessoas funcionam num milieu cultural que colore de forma inelutável o seu pensamento. Simplesmente não existe tal coisa como ciência culturalmente neutra.
(...)
Desejo argumentar, porém, que as relações matemáticas que descobrimos na natureza não estão para lá da natureza, sendo apenas outra faceta da natureza. Ao invés de terem uma existência separada à parte da natureza ou antedatando-a, estas relações, acredito, devem ser encaradas como qualquer outra descoberta científica. Quando, por exemplo, os biólogos descobrem o processo através do qual um óvulo fertilizado se torna uma criança, não concluimos que o plano de uma criança humana existia na mente de Deus antes da criação do universo.
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As Calças de Pitágoras

Deus, a Física e a Guerra dos Sexos

de Margaret Wertheim

Propriedade Descrição
ISBN: 9789729360206
Editor: Via Optima
Data de Lançamento: abril de 2004
Idioma: Português
Dimensões: 140 x 207 x 21 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 272
Tipo de produto: Livro
Classificação temática: Livros em Português > Ciências Exatas e Naturais > Física
EAN: 9789729360206
Idade Mínima Recomendada: Não aplicável
Margaret Wertheim

Com bacharelatos em física e matemática, a escritora científica australiana Margaret Wertheim tem escrito profusamente sobre ciência e sociedade para inúmeras publicações, incluindo New Scientist, The Guardian, The New York Times, The Australian, Omni, Vogue, Elle e Salon. Escreveu ainda diversos documentários científicos para a televisão, como Faith and Reason, que também apresentou, um programa sobre a interacção entre ciência e religião nos dias de hoje. Além de As Calças de Pitágoras (1995), Margaret Wertheim é autora de The Pearly Gates of Cyberspace: A History of Space from Dante to the Internet (1999). Actualmente é assistente de pesquisa do Museu Americano de História Natural em Nova Iorque e reside em Los Angeles, na Califórnia.

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